inimigo do amor

há coisas que me atrapalham a vida. 
não a vida inteirinha, a vida de todo o dia, a vida corriqueira. mas a vida restrita, a vida de dentro, a vida da madrugada. 

uma delas, e acho que a pior, é o ciúme. já fiz tratado comigo mesma, já pensei um milhão de vezes, já conversei com amigos. nada tira de mim a baixeza de sentimento tão pobre. 

me envergonho. mais que isso, sofro. e sofro duplamente: pela essência do que ele é, e pela maneira que penso os relacionamentos.

no paradoxo do humano cabem muitas coisas, eu sei. é tarefa complexa pensar e sentir em comunhão. 

eu, que sou dada à filosofia da liberdade e reconheço a rapidez da finitude, concordo que temos que fruir o que nos aparece e nos dá prazer. é fundamental tratar a experiência na terra da melhor maneira possível, sem privar daquilo que pode melhorar a vida. 
não gosto de comportamentos indistintos, rasos, vulgares e muitas vezes há confusão entre os dois conceitos: liberdade e promiscuidade. 
no meu mundo as explicações sobre um e outro são bem claras e não existe intercâmbio, mas sei que a barafunda, muitas vezes, se forma com chances escassas de clareza.

o que me interessa é a liberdade, a minha e a do outro – o que vale pra mim, vale pro casal. ponto final? não, porque exerço a duras penas. ao mesmo tempo em que me alegra saber que quem está comigo, está porque quer, porque gosta, porque prefere, me dá quarenta e sete tipos de nós diferentes quando penso exatamente nisso. e se deixar de querer, de gostar, de preferir? 

me mordo de ciúme só de cogitar a hipótese do amado ter memória, lembranças, passado. quando isso pula para o presente, enlouqueço. enlouqueço como se fosse possível querer controlar pensamento alheio. eu quero! 
quero que o amado seja livre para pensar em quem quiser, mas que pense só em mim. desejo que meu par exerça sua autonomia e que ela o leve sempre a mim, em todos, todos, todos os aspectos. 
misto de irracionalidade e arrogância, eu sei. e por saber, me desmonto em ciúme.

procuro não transferir a loucura. tento trancá-la a sete chaves, domá-la e sufocá-la nas noites de insônia. mas o sangue que corre por aqui ferve bem antes dos cem graus, apita na morna temperatura das bobagens corriqueiras. 

e assim se dá a incrível e inaceitável confusão entre o que penso e o que sinto. entre o deixar voar e o querer um satélite. entre o que é racional e o que rasteja no poço das inseguranças. 

sou livre, quero-o livre também. e que isso represente, ao fim e ao cabo, um compromisso de amor mútuo, onde se exerce o poder da escolha entre duas pessoas que talvez não se bastem, mas que se querem a ponto de negar toda a humanidade. 

é hora de voltar para o divã! 


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