nos fios da memória

Eu tive os melhores avos do mundo! Os pais da minha mãe eram pessoas sensacionais, diferentes, complementares. Sabiam da felicidade dos netos. 

Ontem, minha prima Giovana, que não teve a mesma sorte de convívio que eu e meus irmãos, me pediu para contar um pouco sobre o Estefano, o dono do sobrenome que visto. 
 
Gio, 
O vô era um homem grande, bonito, vaidoso. Lembro bem de suas camisas, seus sapatos, o pente no bolso, o cabelo castanho escuro – as custas de tintura. A loção que usava tinha o cheiro dele, nunca mais senti. 
Passos firmes, voz alta, olhar seguro. Nenhum vacilo. 
Homem decente. Boa alma!
 
Lembro-o já aposentado e cheio de rotina: todos os dias dormia depois do almoço, as vezes no sofá da sala da frente da casa da vó, as vezes no quarto; depois da soneca caminhava até o bar que tinha no muro o carimbo da Crush ali na Rua Minas Gerais mesmo, jogava bocha e conversava com os outros avôs (nunca soube dessas conversas, porque ele tinha por princípio não levar menina ao bar, pena!); na volta esperava o resultado do bicho com a vó, jantava e ia cedo pra cama. Todas as segundas-feiras almoçava lá em casa e se eu estivesse de férias ia com ele, que mantinha seu cotidiano: soneca, bocha e papo. 
 
O vô era super animado, ativo, falastrão. Ele adorava aquelas loucuras de jogar a gente pra cima, carregar nas costas, rodopiar no ar, fazer cócegas e comentários engraçados (tipo o teu pai, mas mais leve). 
 
Quando não gostava de uma coisa, virava confusão na hora (tipo minha mãe, mas mais acentuado), ia logo despejando seu descontentamento sem pena das pobres almas que estavam em volta. 
 
Ele era divertido, gostava de conversar e não tinha pessoa que ele não puxasse papo (tipo nossa tia, mas ainda mais extrovertido), falava pelos cotovelos e exigia atenção. 
 
Criança grande, as brigas com os netos eram sempre por conta do maior pedaço de bolo, do último gole de refrigerante, do canal da televisão, essas coisas que eu, o Clé e o Zeca disputávamos também. 
 
Todas as segundas-feiras eu o esperava atrás do pé de jasmim para assustá-lo, ele fingia muito bem: gritava, colocava a mão no peito, dissimulava surpresa, falava meia dúzia de desaforos e depois me erguia no colo, me jogava pra cima e eu anunciava feliz para que a rua inteira soubesse “mãe, o vô chegou!”. Quando ia com ele pra casa, no caminho sempre contava a mesma história, a inventar que ele e o Zé já tinham nadado naquele rio que fica na metade do percurso. Eu, espoleta, também queria e as respostas me alimentavam a imaginação: “talvez na outra semana / quando fizer calor / o rio precisa estar mais cheio / o rio precisa estar mais vazio…”. 
 
Ele que me socorria quando a maldição da bala Soft parava na garganta: me segurava de ponta-cabeça pelos pés, a deixar que a gravidade fizesse seu trabalho. 
 
Nas minhas armações infantis com o Clé, o vô sempre brigava com ele. Todas as vezes me poupou das broncas e não passava relatório pra minha mãe. No máximo soltava “por que vocês não vão brincar na pracinha?”. 
 
Ele tinha umas coisas: comia macarrão com leite; escovava os dentes com carvão; gostava de lidar com a terra; pegava pêra no pé e mordia imediatamente; mesmo com o chaminé que era a vó, parou de fumar; adorava couve e bacon, pinhão na chapa e frango ensopado; desligava a TV na hora do comercial. 
 
As vezes a vó falava umas poesias pra gente e ele torcia o nariz, mas cantava esparramado, feliz da vida, As Mocinhas da Cidade. 
 
Eu não fui ao velório e ao enterro, sua última imagem pra mim, já enfartado no chão da cozinha da vó, quando estávamos chegando para o almoço de domingo. Essa cena nunca mais me saiu dos olhos. 
 
Uma vez sonhei com ele, e foi só uma vez. 
 
Ele foi um avô sensacional, Gio. E, melhor, foi um grande homem! As pessoas falam dele com admiração, com respeito, com amor. 
Pena que foi embora tão moço, tão cedo, sem espalhar aquilo tudo em você, na Dani, no seu irmão e em nossos filhos… Pena! 
 
A infância, para ser completa, precisa de um avô como o nosso!
 
Gio, as fotos dele não estão aqui. Quando eu for lá na
mãe, as pego.
 

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