Arquivo Mensal: maio 2014
do outro lado do espelho vejo minha mãe olhos no céu queixo no horizonte espinha ereta no sumidouro encontro os olhos de minha mãe tão verdes feito as esmeraldas do velho anel, felina na escuridão a minha mãe está no reflexo que denuncia sou vítima e algoz heroína e sobrevivente repelente e imortal carrego os olhos de minha mãe ela sou eu mesma interestelar …
Saí machucada. Nervos em frangalhos, injustiça a cortar a alma. Cansaço. Fiquei surpresa com algumas costas viradas, com o mesquinho instinto de sobrevivência, com o comportamento de quem tem obsessão por si mesmo. Ainda no chão, recebi deboche, críticas, cartões vermelhos. Não fiz queixas. As queixas são sempre humilhantes. Caio, mas não sou dada ao abate – não gosto do sabor da amargura tomando …
Tenho preferência por algumas palavras. A sonoridade em primeiro lugar, depois, bem depois, o significado. As vezes é possível juntá-las, noutras são andantes solitárias, passeantes na minha estreita gramática. Quando ouço uma que não conheço fico nervosa, tensão de vocabulário. Se invento, guardo-a no baú das ridicularias, sei bem que não sou Rosa. As minhas prediletas ficam ali, na classe dos substantivos. Concretas, abstratas, próprias, …
Sempre amei feito ampulheta. A areia que caía era a rotina ordinária que ia matando, devagarzinho, todo o sentimento. Umas demoraram mais a escorrer, outras deslizaram feito água. Sabia que o fim tinha hora para chegar e ficava observando o conta-gotas do tempo. Entendi que, como tudo na vida, o amor tem começo, meio e fim. Alegrava-me os começos: flores na porta, cartões inesperados, declarações …
Alguns gostam de vatapá, outros preferem passear em veleiros. Estamos aqui reunidos no planeta azulzinho, a dividir o espaço, o tempo, a nos acotovelar por uma chance, por um momento. Perambulamos todos com olhos no espelho, no da frente e no retrovisor. Desviamos ameaças e plantamos árvores. As pirâmides continuam lá, erguidas, equilibradas e a água modifica os desenhos na areia da …
Comecei a achar que essa tristeza que não passa é meu estado natural. Talvez a minha linha-mestra seja essa, uma eterna lágrima que se precipita mas não cai. As variantes em torno disso, momentos de alegria suprema e de sofrimento desesperante, são os temperos que me tiram da pasmaceira do cinza. Os dias vão passando e eu as vezes me revolto. Para vingar solto gargalhadas, …
Amanheci dentro de um dia perfeito. Quando cheguei na cozinha, a pia estava limpa, seca, vazia, o suco pronto, pão quentinho. Apertei o botão e Mozart, rápido mas não muito, tocou baixinho pra mim. Com os primeiros raios, veio o cão. Preguiçoso, deitou-se no tapete e encostou a cabeça no meu pé. Ficamos por ali, em silêncio, vendo o dia chegar, os barulhos anunciantes, o …
Os amigos mais de perto sabem como detesto shopping. De-tes-to! Frequento na medida de minha necessidade, nunca por passeio, por escolha primeira. Até a ida ao cinema foi reduzida em minhas ocupações de diversão. Mas vez ou outra é inevitável. Não. Até é evitável, mas causa transtorno sem fim… Final de semana passado, cada filho tinha um compromisso diferente, horários apertados …
Trinta mil vezes visitaram meu blog. Os amigos, decerto. Os inimigos, talvez. Os curiosos, os que não conheço, os que têm um tempinho, os amigos dos meus amigos, os amigos de meus inimigos, os inimigos de meus amigos… Tem gente da Ucrânia, da Alemanha, dos EUA, Polônia, Reino Unido, Itália, Argentina. Fico curiosa. Gosto de me comunicar pelo blog, de saber que há interesse pelo …
Carla, O outono está no fim. Caíram as folhas, os cabelos, as saias. Logo o ar impassível desabará sobre nós e o vento cortante rasgará nossas fibras. As lãs sairão dos armários e os jeans se misturarão a botas, luvas e capas. As gentes esconderão o corpo, as vezes com elegância e dignidade, as vezes com extravagância e agrura. Vivemos o último suspiro do …