sinto uma calma exuberante quando me sento na varanda e olho as plantas. são doze vasos de tamanhos variados e lutas diferentes em cada um. metade deles estão juntos, concentrados, vivendo como se fossem um bairro com casas construídas com arquiteturas independentes. os outros se espalham convenientemente preenchendo vazios. quando viajei, o pacová morava na sala e a ora-pro-nóbis era uma pequena árvore espinhenta que …
“A casa supostamente me pertence. Já paguei por ela, deveria ser minha. Mas não. Na verdade, uma casa nunca pertence. Escapa à propriedade. Ela é do tempo. É uma instalação, em todos os sentidos da palavra. Instala-se a mulher, os filhos e o dinheiro”.Marguerite Duras calha entupida, rufo quebrado, telhas deslocadas e rachaduras no telhado formaram o combo para a infiltração na parede, no …
eu não pude dar o último passeio pela cidade. caminhei o penúltimo e o antepenúltimo e ainda um anterior. nessas três vezes tive o cuidado para que meus passos fossem de despedida. um pé, outro pé, olhar para o sino da igreja. três metros e reparar bem nos cafés em volta da praça. um desvio e o mercado. um pouco mais à esquerda e o …
ir a museus não é um ponto forte nas minhas escolhas de passeios. ao contrário, esse tipo de visita sempre foi feita de forma bastante objetiva, com um propósito quase que prosaico ou reducionista, chegando ao ponto de ter viagens inteiras planejadas a partir da vontade de conhecer determinadas obras ou de já ter ido a Paris 12 vezes e não conhecer o Louvre por …
andei por Guimarães num dia triste. recusei comprar guarda-chuva para enfrentar a garoa fina. neguei também me abrigar num café, numa loja, numa marquise. entre mim e a água há o mundo. olhei para todos os ímãs de geladeira de todas as lojinhas. pensei que se tivesse muita atenção poderia encontrar o especial que iria me dizer sobre aquele dia estranho. não. fui a Guimarães …
foi uma aventura. gosto de experimentar que a faixa de idade para correr riscos, correr mundo, correr perigo não existe. no dia em que decidi que iria embora de Curitiba, minha vida estava transbordando de idades e de problemas. disse adeus e enfiei livros, discos e sapatos na mala e fui para o aeroporto. nem a pandemia, nem as máscaras, nem o medo me impediram. …
caminho pelo outonoum pé, outro pé enquanto a terra gira, enquanto as folhas caem,enquanto o vento sopra caminho pelo outonoum pé, outro pé, enquanto a terra giraé a primavera que se anuncia em mim caminho pelo outonoum pé, outro pé,enquanto as folhas caemtodo o meu corpo se prepara para o verão caminho pelo outono um pé, outro pé enquanto o vento sopra eu sei, intimamente,da …
recebi música para ouvir. pop, espanhola, feita para o sucesso. temática, separação. a separação não existe. é uma das coisas mais difíceis de fazer na vida e mesmo assim não existe.ninguém se separa. separação é coisa gerúndica, fica acontecendo, não termina… não permite a circunstância definitiva separada. quando as relações começam a acabar (que é bem perto de quando elas começam a começar), é quando …
levei minhas angústias e dúvidas para passear.estava um tanto cansada de precisar chegar logo em casa para pensar em silêncio nas minhas questões. também já não dava mais para negar todos os convites para poder sentar na sala e olhar para a parede. agarrei, um por um, todos os meus problemas. não os separei em compartimentos, não escalei prioridades, “primeiro você, que é mais velho” …
choveu. valha-me deus! já fazia tempo que o bicho que carrego por baixo da pele não saía para dar uma volta. este animal que cuidadosamente aprisionei foi alimentado e mantido quieto e sufocado em silêncios e exigido em expedientes e explorado em ideias e oprimido em olhares. carreguei-o. arrastei-o. puxei-o até minha coluna não aguentar mais, até perder a memória. quando lembrei que é imprescindível …