foi uma aventura. gosto de experimentar que a faixa de idade para correr riscos, correr mundo, correr perigo não existe. no dia em que decidi que iria embora de Curitiba, minha vida estava transbordando de idades e de problemas. disse adeus e enfiei livros, discos e sapatos na mala e fui para o aeroporto. nem a pandemia, nem as máscaras, nem o medo me impediram. …
caminho pelo outonoum pé, outro pé enquanto a terra gira, enquanto as folhas caem,enquanto o vento sopra caminho pelo outonoum pé, outro pé, enquanto a terra giraé a primavera que se anuncia em mim caminho pelo outonoum pé, outro pé,enquanto as folhas caemtodo o meu corpo se prepara para o verão caminho pelo outono um pé, outro pé enquanto o vento sopra eu sei, intimamente,da …
recebi música para ouvir. pop, espanhola, feita para o sucesso. temática, separação. a separação não existe. é uma das coisas mais difíceis de fazer na vida e mesmo assim não existe.ninguém se separa. separação é coisa gerúndica, fica acontecendo, não termina… não permite a circunstância definitiva separada. quando as relações começam a acabar (que é bem perto de quando elas começam a começar), é quando …
levei minhas angústias e dúvidas para passear.estava um tanto cansada de precisar chegar logo em casa para pensar em silêncio nas minhas questões. também já não dava mais para negar todos os convites para poder sentar na sala e olhar para a parede. agarrei, um por um, todos os meus problemas. não os separei em compartimentos, não escalei prioridades, “primeiro você, que é mais velho” …
choveu. valha-me deus! já fazia tempo que o bicho que carrego por baixo da pele não saía para dar uma volta. este animal que cuidadosamente aprisionei foi alimentado e mantido quieto e sufocado em silêncios e exigido em expedientes e explorado em ideias e oprimido em olhares. carreguei-o. arrastei-o. puxei-o até minha coluna não aguentar mais, até perder a memória. quando lembrei que é imprescindível …
tenho muitas dificuldades em tomar decisões. há qualquer coisa em mim, que apelidei de insegurança, que me paralisa até quando sei o que devo fazer. saber o que devo fazer é coisa rara porque há qualquer coisa em mim, que apelidei de imaturidade, que me sufoca até quando tenho a certeza do que tenho que falar. saber o que tenho que falar é uma consciência …
despencou em mim um silêncio. denso, forte, profundo. é fácil senti-lo no tato. ele invade os poros, entra pelos olhos, aprisiona a voz, o olfato,esbofeteia os ouvidos.o silêncio embaraça os cabelos. os quilos das ausênciasos litros das despedidasas contagens de todos os números, das medidasmilímetro por milímetro entendo os quilômetrose penso nas próximas partidas.
estou entulhada de ausências. cada uma delas tem nome. algumas, sobrenome. o meu. outras quase têm o meu sobrenome. na raridade usei a palavra saudade no plural. sempre pensei que a saudade era uma e por mais que fosse grande, não era mais que uma. na minha cabeça, moldada pela tentativa de exatidão de um tipo de linguista, saudade não podia ser enumerada ou contada, …
tinha um marmeleiro no meu quintal. quando eu digo meu quintal, não significa absolutamente nada além de um espaço que emoldura a janela da cozinha da casa. a propriedade é do vizinho. além de ser do vizinho é grande e verde. além de ser do vizinho, grande e verde, é domesticamente selvagem. quando mudei para essa casa, havia galinhas. e um galo. foi por causa …
por motivos de copo na mão e muitas conversas e distrações não foi possível registrar os diversos momentos vividos em Paris na última semana. mas as lembranças de amizade, acolhimento e literatura estão em mim. como estão também as memórias da vizinhança, do cheiro da casa, da ruazinha. e, ainda, a confusão de idiomas, os policiais, as pontes e torres. e também o ar frio …