estou a sonhar com os dias de Antonina. aqueles que passam calmos e duram muito, se alongam em minutos e giram preguiçosos no relógio.
saudade do ar sufocante que de vez em quando é cortado por uma brisa leve que vem não sei de onde e some no sopapo do calorão que abafa, inibe, mata de tédio.
tenho vontade de ficar naquela velha varanda a olhar os passarinhos que desfilam em frente da baía e me distraem a leitura e me impedem a escrita. mais, quero ver o mar que desliza para encharcar o continente e depois some, a revelar um banhado estranho: lodo, putrefação, caranguejos, garças, outras aves.
a sacada de Antonina se abre para o porto de Paranaguá. lá longe, onde quase não dá para definir contornos, luzes de navios me contam histórias imaginárias e revelam cada saudade de seus marinheiros maltrapilhos que nunca conhecerei, mas que ainda assim as sei como se fossem minhas.
gosto do pescador solitário que divide as manhãs comigo. enfadado, submerso na vida besta de todos nós, puxa a rede. meia dúzia de peixinhos garantem a sobrevivência hoje. o pescador solitário só tem o dia de hoje como certo. ele é o único no mundo inteiro que sabe disso. vive o eterno tempo do presente.
tenho vontade do silêncio. o imenso silêncio porque as águas, os pássaros, o vento e as folhas tocam tudo em harmonia. escalas.
quando me sento em frente àquela imensidão é que sei pensar na morte. um fio calmo me toca e o recorrente pensamento sobre roupas nos varais, plantas florescendo, frutas maduras, ninhos engenhosos, nuvens carregadas me conduzem a uma comunhão com os ciclos.
e tudo aquilo me ensina que é preciso aprender a morrer, que cada dia bem vivido é um passo leve em direção ao extremo. e saber do fim pode ser bonito. triste e bonito, como Opus 50 de Tchaicovsky.