Dos sonhos de criança alguns ficaram, outros foram embora e boa parcela acabei por esquecer.
Algumas coisas eu lembro bem: queria ser caminhoneira e queria ser carteira, sim, daquelas de uniforme amarelo e azul.
Da minha pretensão de ganhar as estradas, sobrou a vontade de viagem, a necessidade de liberdade e o desejo de dobrar novas esquinas.
As aspirações de carteira se transformaram em impulso de comunicação, veleidade em contar coisas, escrever cartas, bilhetes e recados.
Também menina sonhava em conhecer a lua, em ser uma das Frenéticas, em patinar no gelo, em morar sozinha. Desses caprichos, nenhum veio pra minha vida adulta, nem com outras roupas, travestidos de outras coisas.
Lembro ainda que queria conhecer o Chacrinha, ter um cachorro são-bernardo, fazer bolo só de cobertura, ir a Paris e ter o cabelo como o da Perla. Eu não cheguei ao Chacrinha, mas tive bons substitutos, tenho um beagle, volta e meia eu faço bolos bem fininhos e com três dedos de cobertura, fui a Paris e não gosto mais do cabelo da Perla.
Das coisas de menina, eu ainda trago em mim, intactas, algumas: jogar ao mar garrafas com bilhetinhos, passear de mãos dadas pela praia, esquentar o rosto ao sol do inverno, acordar cedo e fazer o maior número de coisas no mesmo espaço de tempo para ter tempo de não fazer nada.
E assim vou vivendo…