as cortinas da minha casa riem de mim.
detesto-as com uma raiva tão grande que a cada brisa que sopra lá fora e elas se sacodem aqui dentro, tenho vontade de pegar uma tesoura e picá-las com todo meu ressentimento.
sei o que representam. toda minha incompetência está ali, esticada e limpinha, a se exibir e a pronunciar dia sim e no outro também minhas limitações.
joguei nas cortinas da minha casa todas as incompetências que carrego comigo. foi um gesto involuntário que, ignóbil, me assombra. tivesse transferido o fardo para dentro de gaveta, baú ou fundo de armário, não precisaria cotidianamente conviver com minhas contestações.
hoje, munida de toda boa vontade do mundo, quis fazer as pazes com as cortinas. acordei cedo, fiz café, torrei pão, cortei maçã, espremi laranjas e levei tudo pra sala. convidei-as a me acompanharem no petit déjeuner. intenção de conversa. numa explanação verborreica fui tratando do meu desabafo. repeti muitas vezes, no tom mais alto que um sábado às seis e meia da manhã permite, meus caminhos até chegar a encontrá-las. contei das viagens, dos passeios, dos restaurantes, dos livros, da mesa, da casa em festa, da troca de carro. falei dos vestidos, dos momentos, das flores, dos amigos, das paisagens, dos espaços. lembrei das outras épocas, das inconsequências, das espontaneidades, das volatilidades, da finitude.
tudo, tim tim por tim tim. cortinas mudas.
quando eu já estava a me dar por exorcizada, um ventinho leve bafejou pela sala, tocou meu rosto, sacudiu as plantas e as cortinas dançaram. vibraram e sapatearam com toda a perversidade a me contar: penduradas soberanas, cá estamos. porque aqui quisemos ficar, esta é a nossa casa, você é ocupante passageira.
final do mês pago o aluguel.
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