boa de cama, é o que eu sou. descobri hoje. um amigo me contou que lê minhas croniquetas para a esposa, à noite. antes de acabar o texto ela já contou carneiros, pescou tubarão e embalou no sono.
eu pensei em começar este post de um jeito diferente. com as duas primeiras frases e depois embalar num emaranhado de palavras que conduzisse a uma ideia sexual, para no final revelar que na verdade sou excelente soporífero, que ganho de qualquer Rivotril.
depois pensei melhor e achei que fosse mais bacana manter as duas frases iniciais e perseguir o sentido de que sou uma pessoa suave, voz mansa, que tem no cerne poderes relaxantes, espécie de deusa da Maracujina. desaguar num conceito de dedos que batucam massagem brandamente, para confessar que não tem nada de físico, que o lance é a massa de palavras tediosas que fazem pegar no sono.
não gostei e continuei. mantive as frases iniciais e desenvolvi um expediente que caminhava por um serviço de marcenaria. induzia o leitor a achar que ‘boa de cama’ tinha a ver com imbuia, mogno, pregos, esquadros, parafusos. aqui, minha ideia de confissão se resumia em martelar as palavras, fazer uma carpintaria tão equivocada e de forma tão monótona que levaria a leitora/ouvinte ao sono.
a penúltima coisa que me surgiu: manter as duas frases iniciais e narrar a maneira como arrumo a cama: lençóis muito esticadinhos, cobertas felpudas, conforto, aconchego e meia-luz. no final do post tudo isso se transformaria em frases longas, quantidade absurda de adjetivos, palavras previsíveis e fastio. manteria a meia-luz, isso me ajudaria a fechar o texto no mesmo momento em que a esposa do meu amigo fechasse os olhos.
por fim entendi que com essa minha capacidade narrativa, ninguém leria muito mais que as duas primeiras frases. dei o assunto por encerrado e resolvi largar a real logo no primeiro parágrafo, a poupar-me de querer entreter leitor até o último ponto final.
ponto final, boa noite.