camadas na parede da sala

“A casa supostamente me pertence. Já paguei por ela, deveria ser minha.
Mas não. Na verdade, uma casa nunca pertence. Escapa à propriedade.
Ela é do tempo. […]
É uma instalação, em todos os sentidos da palavra.
Instala-se a mulher, os filhos e o dinheiro
”.
Marguerite Duras

calha entupida, rufo quebrado, telhas deslocadas e rachaduras no telhado formaram o combo para a infiltração na parede, no teto e na grande prateleira da sala.
cheguei em casa com esta novidade.

a parede da sala estava tão estufada, que acho que cresceu uns 15 centímetros. as marcas da chuva em cima da porta. a grande mancha onde havia música. a proliferação do bolor no lugar do branco puro.
a sala estava feia, muito feia.

o conserto exigiu providências e materiais de outros tempos.
igualzinho quando eu era criança foi preciso descascar a parede, para depois passar massa, depois lixar, depois pintar e depois pintar de novo e talvez de novo.

no primeiro descascamento, a afirmação do quanto a minha casa não é minha. a certeza de como passamos pelas coisas, pelo mundo, pela vida…
as camadas na parede me contaram das experiências de outras pessoas debaixo daquele teto.

foi bonito ver o verde, o amarelo, o rosa e o branco, camada em cima de camada. as cores se sobrepondo como marcas de existências, permanências e rupturas.

cada nova família habitante vestiu a casa com o que lhe cairia melhor e enfeitou-a e cuidou-a e limpou-a e ventilou-a e fez muita coisa para manter integridades e alegrias, confortos e belezas, seguranças e aconchegos.

gosto que na minha vez neste espaço a cor seja branca, porque é ela, a cor branca, a junção de todas as cores.
o branco da minha parede honra cada um dos antigos moradores.
sem infiltração.

quer comentar? não se acanhe.

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