tenho ido caminhar no parque. de manhã. bem cedo.
gosto bastante, me sinto saudável e atleta. enfio os fones de ouvido, encho os pulmões de ar e me jogo na pista, passadas largas, ligeiras e ritmo constante. fico orgulhosa da desportista que mora em mim e, finalmente, resolveu se apresentar para o combate.
em alguns dias consegui observar uma certa hierarquia nos espaços.
por partes.
a pista de caminhada: cabe todo mundo, todo tipo de gente. os iniciantes, as vizinhas que vão conversando, os cachorros, os velhinhos, os casaizinhos, os sérios, os sorridentes, os em recuperação da cirurgia na coluna, os com o nervo ciático em ordem… tudo que anda ou se arrasta divide o espaço com humildade e alguma simpatia.
pista de bicicleta: no meu horário elas não estão muito movimentadas, acolhem aqueles que têm capacetinho, cotoveleira, joelheira e um aparato incrível de proteção. acho que aquela armadura toda deve pesar mais que o próprio corpo. igualmente equipado e dividindo o espaço harmonicamente está o pessoal dos patins – que me causa inveja, queria muito andar de patins, mas gosto dos meus dentes.
pista de corrida: implicância. parece que quem corre tem que ter privilégios. as pessoas que fazem isso no limite entre as faixas, vez ou outra, passam cheias de autoridade pro outro lado e quem está caminhando que se vire em desviar. algumas gentes da corrida são semelhantes aos carros chiques da cidade, que pensam que porque são chiques têm preferência no trânsito. sou contra e hoje não desviei de uma moça que invadiu o meu universo da caminhada e levei uma ombrada. quase desloquei o omoplata, mas me mantive altiva, olhos no horizonte, respiração constante. a lágrima escorreu discreta.
aparelhos para alongamento: não podemos esquecer que o parque em questão é em Curitiba e por isso nem sempre é recomendável chegar cheia de sorrisos, a cumprimentar quem estica braços e pernas nas barras. as pessoas não gostam muito de dividir os aparelhos e se o fazem é por civilidade, nunca por simpatia. então, silêncio. não pergunte, não diga, não comente. nem olhe.
nesse capítulo eu tenho que falar da minha amiga Vera, que num outro tempo, quando caminhávamos juntas, ela tinha a cara de pau de alongar a perna acima da altura da cabeça. humilhação! eu mal consigo manter a perna esticada mais de 30 centímetros.
bichos: adoro. patos, capivaras, cachorros, quero-queros, sabiás, gaviõezinhos, urubus, jacaré. todos me deixam contente. eu adoro ver aquela cara burra das capivaras amontoadas. um monte de patos em fileiras ordenadas fazendo sabe-se lá o quê… e os dogs que acompanham, serelepes, seus donos?, muito fofos. têm também aqueles três cachorrões que, entra mês sai mês, eles continuam lá esparramados, roncando, sem ligar para o esforço de quem passa.
os animais são as melhores pessoas.
todas as manhãs chego em casa ligeiramente perturbada com tudo isso. verifico quantos quilômetros andei, reparo que eles não foram suficientes para dar firmeza à minha musculatura e assino contrato: só amanhã, Adriana, volte só mais um dia.
e assim vou vivendo minha fase atleta, um dia de cada vez e com o pensamento onde não é necessário.