antigamente, quando a vida ainda seguia a marcha das ilusões, tinha dois medos: ficar sozinha e não escrever.
o primeiro temor, nasceu quando nasci. de tanto provar da solidão e não encontrar sentido em fazer laços indissolúveis, a voz de fora passou a proclamar que vida desacompanhada era mesmo o estado natural de todo mundo, todo mundo do meu mundo. afirmei que a caminhada depende de cada um, ainda que acompanhado. mas num determinado momento, a voz de dentro passou a temer a resolução. o sopro de que eu poderia mudar de ideia, depois de minutos sem fim da mesma afirmação, me aterrorizava. como seria fazer a troca de ideal? e se eu chegasse à outra conclusão após tantas certezas? e se o meu hino, primeiro e oficial, afastasse aqueles que poderiam entrelaçar seus dedos aos meus para a marcha?
dúvida nem sempre é boa conselheira e as questões me jogaram pro medo.
quando aprendi o alfabeto e a maravilha que se podia fazer juntando letras, criando sílabas, formando palavras não queria mais parar. e fui descobrindo os prazeres da linguagem na leitura e depois na escrita. me calei para desejos, negativas, vontades, pedidos e deixei que eles corressem no papel. rabiscava tudo que sentia e queria, de bilhetinhos a cartas, de parede a cadernos, de diários a grifos e comentários em livros. um dia, alguém me disse que eu deveria escrever de verdade, a sério. foi o suficiente para o pânico. e se ao tentar escrever eu não conseguisse mais? e se meu texto não fosse claro? e se me faltassem palavras, pior, ideias?
mesmo processo: as incertezas do caminho me levaram ao medo.
hoje, com mais dúvidas que certezas, aprendi que são as perguntas as verdadeiras amigas da minha trajetória. elas não me brecam os movimentos, ao contrário, impulsionam o pensamento e a ação pela curiosidade de ver mistério desvendado. seja ele qual for. há certa diversão em minhas questões existenciais, me olho no espelho e rio das ridicularias dos pensamentos.
fracasso? vexame? vergonha? nem sou tão importante assim para acumular qualquer coisa desse tipo. reconheço que gosto do sucesso e me esforço por ele, mas deixei de ser sua escrava. mais vale a vida vivida que as horas de tensão que levam à desistência crua.
não temo, não tenho o que temer. aprendi definitivamente, até a próxima crise: sim, somos, sou sozinha; não, jamais escreverei de verdade.
por isso tenho o blog, exercício solitário da tentativa de comunicar.