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a coisa boa de ser ignorante é a condição inesgotável para grandes surpresas. mais de quatro décadas depois do lançamento, conheci Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. obviamente já me tinha sido indicado e por duas vezes já o tinha comprado. nenhuma delas durou muito aqui na estante, logo passaram para as mãos dos amigos atentos: o primeiro me disse que adorava e não tinha mais; a …
“a vida não passa de uma longa perda de tudo que amamos”, Victor Hugo. todos os dias me despeço. de tudo. o anoitecer é o adeus ao dia, é o aumento da distância da infância, do primeiro amor, dos filhos pequenos. o anoitecer é dizer mais uma vez, reafirmar de aceno, que aquele sorriso foi embora, que o brilho do olhar virou, que há um …
todas as palavras do mundo, as promessas e quase todas as brigas. todos os sofrimentos as alegrias, e tudo aquilo que quero que me digas. todo o encantamento, o barulho, o borbulho e tudo que a alma investiga. toda a maldade, o perdão, e toda a fadiga. todo o carinho, a raiva, o amor e tudo que a vida obriga. todo som, o canto e …
tenho vontade de escrever uma carta de mil linhas. e que nela os arrepios da pele, a boca seca, o tremor das mãos, as vontades, os receios e tudo aquilo que me percorre se transformasse em palavras. e cada palavra tivesse o poder da comunicação precisa, linha reta sem sinônimos ou mudança de interpretação. nessa carta, e só nela, eu usaria palavras sagradas, como sagrado, …
um dia desses estava a tentar pescar meus mecanismos de desordem. acordo cedo todos os dias. raramente me largo na cama até que o sono cumpra toda sua função. mesmo assim me permito ver a madrugada chegar com seus silêncios e assombros. fico a ocupar as horas do amanhã como se ainda fossem as do hoje. pensava que era necessidade de um tempo em que …
uma joaninha que pousa em folha ou um jogo de xícara e pires uma mulher que entra no mar ou um envelope vazio uma taça, um vinho e um saca-rolha ou uma ilha pra cá do arco-íris como uma tarde de frio ou um vaso de cristal uma bola de sabão, um balão ou um longo e agudo assobio um sol depois do vendaval ou …
Verão, venho por meio dessas mal traçadas linhas me despedir. sei que por muitas vezes briguei, reclamei, mandei-o pra longe. usei minhas armas infalíveis: o ar condicionado, o leque e o protetor fator 50. mas nada, nadinha, significa que eu queria, de fato, que você fosse embora assim, definitivamente. fique, fique mais um pouquinho. sou toda apelos. mas sou gratidão também. nessa temporada, você me …
18 quilômetros antes do Iguaçu pedir a mão do rio Paraná, sacrifica-se, joga-se, despenca suicida de quase 80 metros. há 200 mil anos faz isso. incansável, mostra suas intenções assim, cheio de beleza e força, barulho e imensidão, susto e salto… eu gosto de sentir sua força e deposito tanta fé no estrondo de suas águas que até penso que Deus existe.
olho em volta e nem acredito no tanto de coisas inexplicáveis que acontecem. o tempo todo. todos os dias. sem trégua. tenho vontade de me afundar num choro infinito ou num pote de brigadeiro. obviamente nenhuma das medidas serviria pra alguma coisa, a não ser atrapalhar ainda mais minha vidinha, claro. não me resta muita coisa que seja diferente de um otimismo sem fundamento, um …
há coisa na vida que não se explica. as que eu vivo por esses dias, talvez Garcia Márquez tenha contado direitinho em seus relatos fantásticos sobre essa tão surpreendente fatia latina que recorta os rincões fronteiriços. Puerto Iguazu, argentino no mapa e inacreditável aos olhos, é lugar que eu não deveria tentar descrever. só mesmo essa vontade de dizer é maior que minha incapacidade narrativa, …