poesia Arquivo
agarrar a porção da noite que está marcada como destino de cada um, que é cais, saída e chegada, espalhar cada uma das estrelas nos cantos do espírito nas encostas da alma nas esquinas dos pensamentos carregar as fatias das noites mais escuras como se fossem brilhantes e pensar que brilhantes também são pedras que sempre estiveram crispando, cintilando, piscando, antes de se anunciarem. saber …
quando eu era menina tinha uma bonecaela choravapara ela parar de chorareu fingia que cuidavaque amavaque agradava e ela fingia que parava.cresci achando que quando eu chorassee alguém fingisse amore me agradasse e simulasse cuidadoso certo era eu fingir que parava de chorarmesmo que por dentro todo o peito sem pilhas e sem cordasse contorcesse em dores e berros. quando eu era menina tinha uma bonecaela choravapara ela parar de chorareu brigavafalava uns …
prestar atenção nas perguntas e responder apenas o que querem saber transformar excessos em silêncios e encontrar maneira de viver muda. não contar lembranças nem histórias apenas uma e se for solicitada. não exagerar nos adjetivos não usar adjetivos pensar que uma pedra é uma pedra mesmo se azul ou cinza uma pedra azul ou cinza só terá algum sentido dentro da relevância da cor. …
apalpar todas as brigas para entender de qual matéria cada uma é feita esmiúça-las, escarafuncha-las, detalha-las chegar à exaustão de todas as emoções e ainda assim não compreende-las tentar livrar-se da culpa carregar toda culpa nas costas justificar as ações para poder continuar refugiar-se dentro do medo tremer, temer, meter tudo num canto do mundo e continuar vivendo como se nada tivesse acontecido.
sentir a brisa da manhã de domingo ter vontade de colocar um vestido florido e caminhar pela cidade pensar no vestido não ter vestido que combine com tênis entender que isso não importa vestir qualquer coisa e calçar tênis de caminhada sentir vergonha rodopiar em frente ao espelho reconhecer o peso da idade lamentar pela juventude que foi embora pensar que ainda sou jovem saber …
aprender os pontos cardeais deixar-se guiar por estrelas e saber que o dia, a vida e os amores, nascem sempre no leste. aceitar que o destino é uma longa e monótona reta cercada de caminhos por todos os lados. não pegar atalhos gastar todos os passos tentando chegar ao horizonte, nunca desprezar o horizonte, tratar a caminhada e o horizonte com a mesma importância. saber …
não retornar ao passado mesmo que seja por fotografias pensar no dia de hoje querer estar no dia de hoje aceitar o milagre do dia de hoje. não negar as lembranças quando elas se compõem devagar com delicadeza, donaire. sempre que for possível encontrar beleza na ruga da testa, no branco dos cabelos, naquele vinco perto da boca. e saber, definitivamente, que viver é estar …
evitar as rimas desprezar todas as rimas jogar fora o dicionário de rimas. entender que sentimentos, palavras e ações não combinam entre si e que todas suas consequências sempre são inesperadas a rima é esperada. surpreender. saber que é possível escrever sobre um homem, um pato ou uma casa longe da sequência de palavras. não tentar vestir o poema como quem combina cinto, bolsa e …
tentar não pensar em palavras e entender a impossibilidade da meditação construir, sílaba por sílaba, imagens de campos floridos talvez só com girassóis e lembrar de Van Gogh pensar no tormento de Van Gogh sentir a angústia de Van Gogh retornar para imagem dos girassóis e lembrar que na primeira casa com o marido tinha um girassol alto em frente à janela que apontava a …
para Francisco Mallmann não ficar à deriva mesmo quando não há direção, inventar que sabe para onde está indo e talvez até dizer para alguém ei, venha comigo. experimentar palavras diferentes para as normalidades dos dias e chamar de ventos, velas, naus o destino escolhido de cada um e talvez até ter coragem de pronunciar a palavra navegador ou timoneiro mais, ter coragem de falar …