chapéu e canga – casamento perfeito

todos os santos me cercaram e me acariciaram a pele e me beijaram os cabelos. batizada pelo mar da Bahia, pelo orum que aqui tem mais força e mais brilho e mais vida, saí a caminhar como se fosse possível mais. e foi.

a viagem está em mim. a sinto no olhar, na pele, no corpo inteiro. e isso é uma delicia. gosto de estar nesse estado de encantamento, é um sossego atento a tudo; uma calmaria com todos os sentidos ligados. deixo que o acaso me envolva e me leve.

quando desembarquei na Praia do Forte hoje, meu primeiro pensamento foi de que esqueci meu chapéu. não posso deixar que um sol, principalmente um sol com sotaque baiano, me doure a tez. apesar de recorrer à proteção fator 99, a sombra é indispensável. como não tenho intenção de criar problemas pra mim mesma, resolvi dar uma voltinha e durante esses passos, providenciar a compra.

pois bem, entre sal, tartarugas, barquinhos e azuis me distraí. e assim, esquecida das praticidades, foi que virei a cabeça pra direita e encontrei. do ladinho do lixo, calmamente depositado, iluminado por um raio que cortava árvores, um chapéu. ótimo estado, elegante, meu tamanho.

lembrei dos cachecóis e casacos que deixamos e pegamos nos cabides públicos de Curitiba, lembrei dos livros que esqueço no banquinho da praça ou na portaria do prédio, nas dezenas de brechós em que troco roupas… nessa ótima ciranda que faz as coisas girarem até chegarem às mãos de quem as precisa. coloquei o chapéu na cabeça e segui tranquila e protegida.

umas horas mais tarde, lembramos que a canga que eu usava foi também um presente da praia. encontrei-a há muitos anos, solitária e mal trapilha, emboladinha num canto da Ilha do Mel. desde então me acompanha.

os objetos que me escolhem sempre me comovem de uma maneira diferente. gosto de pensar que o chapéu baiano passou uma vida a esperar pela canga da Ilha do Mel, que o mesmo oceano levava e trazia recados ente eles, que peixes testemunhavam as duas solidões e algas formavam buquê para o dia do encontro. sou eu a ponte entre os dois inanimados que agora formam casamento perfeito.

as viagens, de alguma forma, sempre despertam os signos da paixão.

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