choveu.
valha-me deus!
já fazia tempo que o bicho que carrego por baixo da pele não saía para dar uma volta.
este animal que cuidadosamente aprisionei foi alimentado e mantido quieto e sufocado em silêncios e exigido em expedientes e explorado em ideias e oprimido em olhares.
carreguei-o.
arrastei-o.
puxei-o até minha coluna não aguentar mais, até perder a memória.
quando lembrei que é imprescindível manter a espinha ereta, larguei.
este bicho raivoso foi domesticado e em vez de explodir em fúrias, delicadamente caminhou.
por isso não feriu os pés nos espinhos, por isso queimou-se nas brasas, por isso esticou as pernas, por isso uivou baixinho, por isso engoliu a bílis, por isso recebeu abraços, por isso não correu, por isso sentiu o último chicote, por isso envergonhou-se, por isso entendeu a idade, por isso sorriu tranquilo.
o animal que aprisiono em mim, se calhar, não é tão feroz quanto eu acreditava.
meu sangue latino, minha alma cativa.