de leve


No sábado de chuva me tranco aqui no quartinho e inicio texto. Um texto sem motivo, sem musa, sem muita vontade. Tenho todas as teclas disponíveis e uma vaga ideia de tratar de manhãs pacatas.
A alvorada é de silêncio e todos os tons de cinza meio tristes. As árvores vizinhas tingem minha janela, as árvores vizinhas que reluzem verde molhado e formam condomínio para alguns passarinhos que, preguiça, piam tímidos.
Fritz Kreisler empresta sua criação, em prelúdio e allegro, e um cortejo de violino me embala as primeiras horas.
O cão vem, deita quietinho com a cabeça no meu pé-travesseiro.
No chiar da chaleira lembro do chá – e das aliterações.  
Atrás da fumacinha da caneca, o meu telefone, que não toca, não assobia, não indica que eu seja lembrança de algum velho amigo a me desejar bom dia. A solidão da manhã é a solidão de uma vida inteira e ela não me maltrata, só se apresenta cheia de quietude e sossego.
Lembro de Martha Medeiros “A cada manhã, exijo ao menos a expectativa de uma surpresa, quer ela aconteça ou não. Expectativa, por si só, já é um entusiasmo” e penso nas esperanças do dia, nas esperanças da vida.
Há flores em casa e isso é o que importa. Desisto do texto e sigo a aproveitar o violino, os passarinhos, as flores e a esperança. 
A vida é boa!

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