acordei bem cedinho. antes, bem antes…
tratei de dar jeito em algumas providências domésticas.
detesto cortinas, mas as tenho em alguns lugares da casa. completas, três camadas, seis peças cada.
aprendi com a minha mãe a lavar as cortinas duas vezes ao ano. na época da Copa, dei a ordem e pronto. hoje, resolvi fazer justiça com as próprias mãos. ideia estapafúrdia, claro.
tudo corria bem e a máquina já chacoalhava a primeira enquanto eu continuava a despir as janelas, sem cerimônias, sem pudores, sem um drink ou conversa antes. ia soltando rodízio por rodízio num ritual quase erótico.
numa bobeira qualquer, desequilibrei. corpo pendeu para um lado, para o outro e eu procurei apoio. onde? na janela aberta, no vão livre do nada, no espaço para o infinito que se forma a partir do quinto andar…
a sorte, a grande sorte, é que consegui cair pro lado de dentro. me estabaquei no chão abraçada ao pano branco e como loucura pouca é bobagem, a escadinha quis fazer parte de nossa comunhão e se jogou em cima.
por conta dessas coincidências interessantes, Caetano Veloso me fazia trilha na radiola, a soprar música de Gil, Torquato Neto e Capinan que ganhou novo contexto na minha patética posição: “estou aqui de passagem, sei que adiante um dia vou morrer de susto, de bala ou vício“.