nasci no mês de março. último dia, primeiras horas, há muitos anos. não me lembro. de lá pra cá venho colecionando algumas coisas, perdendo outras. acho que estou no lucro, minha caminhada é das boas, faço parte de um time que tem um trevinho de quatro folhas no jardim.
menina, pensava no século XXI como um tempo Jetsons. na minha cabeça, esteiras rolantes me levariam; voltaria na carona de um disco-bolha que flutuaria ágil entre prédios. robôs, sensíveis e cultos, conversariam comigo sobre assuntos de minha preferência e teriam um pé no passado para assegurar, gênios da lâmpada, que todos os meus desejos se fizessem. não ficaria presa, fogão e trânsito seriam apenas registros em livros eletrônicos sobre um passado muito distante.
aqui estou. quase tão primitiva quanto na infância. ninguém anda em passarelas suspensas e movediças e todo mundo anda em passarelas suspensas e movediças. ninguém conversa verdades por monitores e todo mundo conversa verdades por monitores. ninguém e todo mundo sonha com a vida classe média de família que sai em viagem nos feriados nacionais.
a vida está estampada, Hanna e Barbera me adivinharam estudando, projetando e repetindo meus antepassados.
pouquíssimas coisas são, de fato, novas por esses tempos. noventa por cento é a pré-história dos Flintstones, só não alcancei a totalidade porque não estou no clube da tradição e dos bons costumes. talvez eu seja a Velma Dinkley dona de um beagle, ou um capitão caverna com iPhone ou um Zé Colmeia com cabelo de Mortícia Addams, não sei.
de qualquer maneira, aqui estou às vésperas de mais um aniversário, juntando traços que me desenham na mistura realidade-ficção, que é o mais verídico que consigo para minha existência.
caminhando pelas ruas desconhecidas do misterioso inferno astral, inauguro o mês de março. dispenso Hardy (“oh vida! oh céus! oh azar!”) e me empenho em ser menina super poderosa.