acordei com alguns avisos amigos a me dizer que hoje é dia do escritor.
tive um estranhamento momentâneo porque é um tanto difícil me assumir assim. até em ficha de hotel, onde só de farra tasco qualquer profissão, nunca consegui ser escritora. já fui engenheira, médica, arquiteta, cabeleireira, artista plástica; a cada check-in uma nova personagem.
também tenho dificuldades em assumir o papel porque reconheço a falta de criatividade para inventar enredos. me fixo nas histórias que chegam penduradas na realidade vivida. sou incapaz de transformar fantasia, de deixar que a imaginação voe solta, de tecer o fantástico jogo de fazer alguém crer em uma coisa mesmo sabendo que ela não existe. sou uma refém dos lances extraordinários que teimam no mundo de verdade.
mas com o passar do dia fui me espalhando na ideia, porque as vezes me perco em algumas vaidades e nem todo juízo do mundo fixa meus pés no chão. levitei, zanzei, escrevi e cheguei ao mesmo lugar da infância: quando eu crescer quero ser escritora!
e viver no quartinho a batucar histórias. e poder tratar a linguagem como a figura mais íntima e indissolúvel da minha vida. e falar cada vez menos para poder escrever cada vez mais. e respeitar esta comunhão a fazer que cada linha e cada construção sejam lapidadas com carinho e conhecimento. e me apaixonar por palavras como “donaire”, “livre” e “delírio” que são belas e fartas a ponto de dedicar-lhes textos exclusivos. e tratar da minha existência assim, só assim e pronto. e ponto.
reconheço que, moto-contínuo, escrevo. e reconheço também os meus limites e minha ilimitada ousadia em querer ultrapassá-los.
hoje, e só por hoje, excedo as fronteiras da modéstia e aceito aos que me chamaram para a data a assumir que sou escritora; minúscula, mas sou. ainda que amanhã eu volte para a realidade estampada nas estantes da minha casa para fazer reverência aos que de fato e de direito merecem este título.
de qualquer forma, escrever é o meu jeito de pensar o mundo. fico feliz por isso.