marquei almoço. utilizei o indecente horário do meio-dia para que tivéssemos tempo para os belisquetes antes de sentarmo-nos à mesa.
meu pai é uma pessoa reservada. ele é incapaz de perguntar qualquer coisa que fira o que julga ser o limite da privacidade, às vezes sofre em silêncio por querer saber pormenores, mas nunca comete indiscrição. suas coisas, ele só conta se forem perguntadas. demorei muito tempo para compreender seus caminhos e deixar de me comportar como seu espelho. antigamente eu correspondia à sua conduta, também não perguntava nada e não tratava de assuntos que não fossem solicitados, conversávamos sobre o que estampava o jornal, o trabalho, uma ou outra fofoca familiar e pronto. hoje nos esparramamos em conversas enormes, íntimas, particulares.
ação e reação.
apesar do meu comportamento ter mudado nossa forma de conviver, algumas coisas ainda permanecem inalteradas neste homem formal de educação de outros tempos.
marcamos o almoço meio-dia. 11:54 fui à janela do meu quarto, olhei pra baixo e lá estava ele, parado. assisti, confusa, seus longos seis minutos de silêncio a observar o trânsito e o relógio.
entendi quando os ponteiros cravaram 12:00 e ele virou-se e, pontualmente, tocou o interfone.
entrou educadérrimo, cheio de gentilezas, fez o gesto de sim quando peguei a garrafa, bateu o copo dele no meu, piscou e disparou: me conte de você.
uma vez, li uma entrevista do Antônio Cândido a falar de Oswald de Andrade, lá pelas tantas ele disse que o escritor tinha uma educação pré-guerra, pré-guerra de 1914, era educadíssimo. acho que o meu pai é um desses raros que receberam e se conservam nessa cartilha. ô sorte!