achei que devia me maquiar.
também coloquei meu melhor casaco.
meias novas.
usei meu perfume preferido.
ninguém soube, não importa.
interpretei que quem estivesse comigo no domingo mereceria o melhor que eu pudesse dar.
foi por isso que tomei café muito devagar e enchi os pulmões de ar antes de sair de casa.
uma vez vi uma reportagem sobre pessoas que viam o mar pela primeira vez. adultos diante daquela imensidão as vezes choravam, as vezes calavam, as vezes sorriam.
também, há muitos anos, vi na tv uma matéria sobre cariocas que, de forma inédita, subiram ao Cristo Redentor.
trabalho numa fundação que administra um Monumento Nacional de Portugal.
a combinação Monumento Nacional e fundação privada resultou, durante anos, várias situações que desembocaram em muitas pessoas da cidade não conhecerem o local – que é visitado por 100 mil pessoas por ano de todos os lugares do mundo.
ontem, teve início um programa chamado Domingos Abertos, que abre portões, quebra correntes e convida a população do concelho a visitar espaços externos do local.
durante uns 20 minutos conversei com uma senhora que me contou que trabalhou lá como jardineira por duas décadas e nunca pode levar a filha para conhecer o Monumento Nacional.
ela me relatou a dureza do seu trabalho “matei meu corpo aqui”, as paisagens de outros tempos “na minha época não tinha essa areia, a erva crescia muito”, a solidão proletária “se ficasse doente, não recebia o ordenado, trabalhava com febre no inverno”, a culpa maternal “essa se criou sozinha porque eu estava cá dentro todos os dias”.
e foi no meio do relato que a filha, uns 30 anos, disparou emocionada “eu não sabia que isso era tão bonito e tão grande”, colocou a mão em seu ombro no entendimento do tanto que a mãe trabalhou.
foi para elas que me vesti pela manhã, pensei.
a inclusão não é só abrir as portas, é também, e principalmente, aceitar o que entra; entender que quem entra tem história; interessar-se; ouvir; saber que monumentos são feitos de vidas… todas as vidas.