Por conta de umas questões paralelas fui para um lado da cidade que não conheço direito. Para chegar, segui ao pé da letra o que riscou o mapa. Nenhuma rua a mais, nenhuma curva a menos. Sucesso.
Na volta, decidi por minha conta e risco fazer caminho próprio. Ora! Nasci nessa cidade, cresci aqui e por aqui estou a tratar dos tempos grisalhos. Dona do meu destino, maior, vacinada, sem dever quase nada a quase ninguém, tratei de fazer o que me deu na cabeça: primeira a direita, segunda a esquerda, sempre reto, descida, subida, semáforo, me perdi.
Me perdi mesmo e tratei a questão como ponto de honra: encontrar sozinha o caminho de casa era preciso! Quase sequei o tanque e nada. A paisagem só tratava de mudar a me causar estranhamento, me revoltei.
Me revoltei mesmo e larguei o carro. Mau humor em nível perigoso, saí a caminhar. Chaves nas mãos, tênis nos pés e fui à terapia do estirão. Andei, andei, andei. E a cada passo, um pensamento; a cada metro, uma lembrança; a cada esquina, uma decisão. Cabeça cheia, maldisse minhas cicatrizes, pisei forte no chão. Exploradora em campos inóspitos, visitei minhas piores memórias, revi difíceis passagens e suei pelo corpo os males do mundo. Me acalmei.
Me acalmei e desesperei quando percebi que não sabia mais onde estava o carro. Na ida poucas coisas da paisagem de fora me chamaram atenção e fui buscar por elas como migalhas deixadas no caminho: uma casinha de madeira recém pintada, uma árvore imensa que não sei o nome, crianças a bater bola com a supervisão dos pais sentados em cadeiras de praia na calçada, jardim com florzinhas bem cultivadas, muro baixo de outros tempos. Me achei.
Me achei e concluí que olhar para fora é necessário, que poder enxergar e ver o que está em volta é fundamental para sobrevivência, que o caminho é tão bom quanto o chegar e que, as vezes, a volta é melhor que a ida.