Sim, eu sei, tenho tendências ao drama. Desde sempre.
É um drama autêntico, sincero, uma coisa que me pega no contrapé e quando vejo já estou estirada no sofá, mão direita tampando os olhos, lágrimas escorrendo e soluços desenfreados por ter lido uma desgraça no jornal ou por não ter recebido telefonema esperado ou por pensar nas pessoas que estão internadas no hospital aqui da frente.
O contrário também acontece. Me animo diante de uma paisagem bonita, gargalho feliz com uma brincadeira boba, dou um milhão de piruetas, bravo! bravo!, ao ouvir boa música.
Como se já não bastasse, me acompanha também o que chamam com desdém de hipocondria. Eu acho que é uma atenção minuciosa a todos os intempéries que podem me aparecer de surpresa. Prudente, estou sempre de olho em tudo. O meu pesadelo é ser paquerada por um vírus desses que rondam por aí e que ninguém sabe o nome ou lhe conhece a face. Ui, credo, isola.
Esses dois ingredientes associados, drama + hipocondria, formam coquetel molotov poderoso. Produzem cenas incríveis, capazes de amolecer o mais duro dos espectadores.
Mas a agremiação tem fundamento, claro que não precisava chegar aos extremos, encostar no limite da sanidade, mas é apegada a firmes alicerces.
Alguns sabem. Tenho uma doença, coisa congênita e não muito comum. Combato-a da forma que melhor consigo. Só numa raríssima complicação morrerei dela, o mais provável é que iremos as duas juntas para a eternidade, nos fazendo companhia e nos atormentando mutuamente, ela a querer me destruir e eu decidida a acabar com ela.
Pois bem, para se mostrar mais forte, a dita cuja da praga foi buscar recurso. Sacou que eu tinha os médicos como aliados e saiu a cata de doença-cúmplice que se dispusesse a ser misteriosa, mutante, leviana, a fazer ares enigmáticos… uma comparsa capaz da submissão para não ser reconhecida. As duas figurinhas torpes e depravadas deram as mãos, fizeram-se promessas, comungaram usando os meus glóbulos como se fosse sangue e da minha pele fizeram pão.
Drama.
Porque os médicos não souberam como nomear esse casamento, nem reconheciam mais os noivos originais, resolveram investigar. Na qualidade de detetive, uma biópsia.
Rapidinho larguei o drama. Porque concluí que grande sofrência em hora assim poderia me jogar num poço sem fundo.
E eu estava quieta, a ouvir as discussões dos homens de branco até que um deles disparou: Adriana, você tem a cabeça muito boa, qualquer outra pessoa no seu lugar estaria desesperada.
E esse foi o gatilho para o desespero. Abriram-se as cortinas. Eu me joguei com a força de mil Kratos na catástrofe. Desabei. Chorei. Me tranquei no quarto, fiquei no escuro de mim mesma aguardando sentença final.
Repentinamente, quem me chega? A hipocondria. Sorridente, meiga, a me fazer carinhos e a sussurrar no meu ouvido Reage, Adriana, você pode estar tombando numa severa depressão. Como era de costume, obedeci. Sacudi a poeira e resolvi ir à luta, faca nos dentes, olhos concentrados, brincadeiras.
Aqui estou, cheia de dignidade, sorrisos, bom humor, a esperar resultado do exame, salva por minhas tão marcantes características: o drama e a hipocondria. Que me falte tudo nessa vida, menos esses dois.