uma vontade recente me belisca. parece que nova quimera começa a brotar neste cabeção tão afastado das realidades: a caminhar aqui e ali a ideia de ter um antiquário. obviamente mais uma coisa a se juntar à minha vocação de pouca renda e sonhos múltiplos.
comecei a procurar curso. não sei exatamente o que é necessário para tratar do assunto com competência, mas passei a vasculhar a internet atrás de algum lugar capaz de me oferecer informações sobre pratarias e porcelanas, movimentos artísticos e mobiliários, estamparias e restaurações.
assinei, com e-mail e telefone, interesse em fazer um curso de antiquariato, que promete ensinar ‘técnicas para avaliar móveis e objetos antigos’.
passei longe de assuntos que envolvam contabilidade e licenças e seguradoras e impostos e essas coisas chatas que desanimam qualquer um.
pulei logo para o lance de me imaginar numa casinha, dois andares. o térreo abarrotado de peças, todas as épocas, milagrosamente teria sempre um cheirinho de lavanda.
parte de cima, o lar, com minhas quinquilharias particulares, que vez ou outra contrabandearia lá de baixo. ou que, a contragosto, exportaria para loja.
entre um cliente e outro, poderia escrever sobre peças particulares.
imaginar o que o primeiro dono do relógio de parede de 1930 pensava quando o cuco disparava a anunciar a meia-hora e a hora inteira. e poderia pensar que uma vez, enquanto estava sentado na poltrona da sala e teve o incrível impulso de vender três de seus cavalos para comprar um colar de pérolas para a esposa, olhou e os ponteiros denunciavam nove e quarenta e sete; então o senhor com bigodes viradinhos esperou a marca das dez horas para levantar-se e seguir o plano.
enquanto a loja estivesse vazia, eu iria tratar de narrar a história da poltrona de cinema, que chegou ímpar, separada de toda a família. contaria tintim por tintim sobre os filmes que testemunhou, a vida inteira solitária, porque foi acomodada no pior lugar da salona; que sempre imaginou que a tela fosse seu espelho porque também não tinha par e passou a nutrir uma doideira sem fim, a misturar sua personalidade com tudo que via, achava, refletido de sua vida.
e assim passaria os dias, entre os escombros de outras vidas e as minhas próprias alucinações. adotaria dois gatos para que nos fizéssemos companhia e a cada nova venda, faria um registro no livro-caixa, a relatar os pormenores da peça, dos novos donos, das esperanças de futuro e de tudo que cabe num objeto qualquer.
enlouqueceria o contador e viveria feliz para sempre.