eu escrevo

trabalho com a palavra, essa coisa tão fora de moda que quando me perguntam o que eu faço e respondo, modestamente, ‘eu escrevo’, os olhos se arregalam e vem em seguida a inconformada pergunta ‘como assim?’.
 
texto, livro, linhas, parece, estão fora de moda, como se a língua escrita fosse algo dispensável.
a maioria pensa que as histórias, o mundo, as fronteiras, os sentimentos, a vida, as notícias podem caber nas manchetes do Twitter.
 
as pessoas às vezes me olham como se eu fosse a mais antiquada das criaturas porque escrevo. me observam, eu sei, como se tentassem adivinhar como sobrevivo numa profissão que nem existe.
e por fim me insultam como se a necessidade de comunicação escrita fosse uma vontade mimada.
 
pessoas próximas sabem que ao mesmo tempo em que busco forma de sobreviver nesse mundo acachapado, mantenho levantada a bandeira da escrita. mais ainda a da leitura.
assim continuarei, a mandar currículo quilométrico como forma de resistência, a afirmar que a língua escrita vale mais que mil imagens, porque na medida em que o universo se move, lento e belo, textos novos em todas as partes do mundo vão, em gerúndio, marcando as existências. 
é um ofício bonito. perpétuo. perturbador. é um jeito de passar pela vida para no final das contas saber que tudo que se aprendeu escrevendo não representa uma linha da História e mesmo assim é o que deixará para sempre os registros desses dias.
 
ainda me causa espanto, ainda consigo me assustar, quando alguém trata minha profissão como se fosse um passatempo.
eu escrevo!

quer comentar? não se acanhe.

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