fui criada numa família em que ninguém falava muito de dinheiro. exceção para dar uma reclamada básica do preço das coisas ou uma sugestão de economia em alguns itens.
acho verdadeiro afirmar que meus pais não tinham problemas de grana.
a vida era diferente do que é hoje. os presentes tinham data determinada para acontecer. ida aos restaurantes também. refrigerante só em dia de festa. pedir pizza era um acontecimento alegre, demorado e raro. telefone, somente usado para recados breves, longos papos só depois das 20h, quando a tarifa tinha valor reduzido. misto entre escola pública e particular. uniformes e roupas eram reciclados de um irmão para outro quando apresentavam condições para tal.
nada me apontava que houvesse relação direta com economia e sacrifícios, achava que era educação e costumes porque também conhecíamos alguns luxos improváveis para quem vivesse na corda bamba, o melhor deles: férias todos os anos, na praia e fora, cada ano num lugar.
era uma vida confortável e sossegada. eu achava. depois, adulta, soube de alguns desalentos, em retrospectivas que me fizeram captar detalhes que passaram despercebidos.
ninguém tinha ideia do salário do meu pai. nem minha mãe. e falar sobre isso significava cruzar uma linha que não se atravessava, nunca. era uma falta de respeito.
pois bem, cresci nessas circunstâncias.
é estranho pensar nisso, porque meus filhos sempre acompanharam de perto meus perrengues de grana, não fui um tipo que tenha poupado as crianças das crises e desesperos que vivia, não encarei solitária minhas dificuldades. a cada nova ameaça, eu acho que eles recebiam um relatório de que deveríamos, como se fôssemos três adultos, poupar e pisar no freio. a cada nova conquista, dividíamos tudo. eu tinha a responsabilidade de ganhar, contar e gastar. e eles a de ganhar, ouvir e gastar. com parcimônia ou não, a depender da época.
foi um lar economicamente instável.
nunca me dei conta de que o desconforto que senti durante longo tempo quando alguém de fora do triângulo me perguntava sobre a remuneração de um trabalho que estava fazendo era fruto da minha educação. com o passar dos anos, e a chegada de alguns danos, fui perdendo isso e passando a tratar do assunto com uma forçada naturalidade.
nessa semana, com cores de estreia, tive que tratar de dinheiro: quanto ganho, quanto gasto, em que gasto, como gasto, com uma pessoa que está fora do meu círculo.
a contadora chegou e entreguei minhas duas últimas declarações de imposto de renda (que até então eram feitas pelo meu pai). era como se eu tivesse tirado os sapatos e caminhasse, desconfortável e indecente, descalça pela sala. a conversa girou pelo cafezinho e eu lhe disse sobre minhas débeis finanças e a cada detalhe, parecia que uma peça de roupa voava pela casa. fui-me desnudando a cada minúcia.
pensei em consultar Freud e tentar definir qual é o paralelo que corre entre falar de dinheiro e perder certa proteção emocional; entre mostrar um extrato de banco e me sentir sem segredos; entre contar do aluguel e parecer criança desprotegida.
um tanto de preguiça me impediu estudo longo, mas um pouco de pensamento sobre o humano me levou à conclusão: a Nadia, minha contadora, sabe muito bem conduzir uma conversa. se você precisa de ajuda para tratar do IR desse ano, e de quebra fazer uma terapia junto, passo o telefone.