é sorte maior, daquela de loteria, ser neta da minha vó. ela não está mais por aqui. mas ainda é tão minha avó que a sinto muito presente e vira e mexe ela me surpreende com uma presença no caminho, um cheiro, uma lembrança, uma imagem, um quadro.
a Rosa, minha avó materna, não foi abrasileirada com esse nome à toa. o original era Ruschka (não sei como escreve). não quero fazer relações infames e nem colocá-la menor, mas ela era uma flor. era mesmo! não, não era rosa porque não tinha espinhos. outra flor. flor só de beleza, que amanhecia e anoitecia na calmaria das próprias pétalas. delícia.
nunca conheci ninguém como ela. minha mãe, meus tios, meus primos… todo mundo concorda.
nunca gritou, nunca feriu, não perguntava. amava e existia. assim, bem simples.
tinha olhos de grama. corpo curvado. eterno cigarro entre os dedos. vestidos que cobriam os joelhos e lenço na cabeça. os compromissos inadiáveis: jogo do bicho de manhã e à tarde. no inverno, fogão à lenha sempre aceso, pinhões na chapa, bule de café.
olhar doce e a voz mansa. conversas ucranianas com os irmãos. poesias com inspiração rural: parreirais, uvas, terra, enxada, mãos.
os netos podiam tudo: fogueira no quintal, passar sem escala da chuva pra cama quentinha, almoçar batata frita a qualquer hora, estourar pipoca com a panela aberta.
os netos eram os melhores: sempre mais que os colegas de escola, que os vizinhos, que as meninas bem comportadas da outra família, que os piás estudiosos da rua de cima.
lembro dos presentes: canoinha de chocolate na páscoa, graninha no aniversário, roupa bonita no natal. sempre, sempre, sempre.
as suas últimas palavras foram de zelo comigo; não por preferência, mas por ser eu a que mais precisava naquele momento, e isso eu tenho como prova maior de amor em todas as circunstâncias – em sua despedida, “cuide da Adriana”.
estou bem cuidada, vó, que bom que foi você quem se declarou em meu destino! todos os beijos dessa vida em você, com a saudade e o encantamento de te ter perto de mim.