não tenho sono. deveria comprar uma camisa azul, lenço, encher o peito de medalhas, ser escoteira.
aqui do quartinho, estou sempre alerta.
espécie de fortaleza, as quatro paredinhas me protegem e me lançam no mundo. silêncio lá fora. ruído por dentro. ruindo, roída, indo e voltando.
a madrugada é, para mim, um lugar difícil. os pensamentos se colocam em fila, em seguida se atropelam, parecem que procuram saída de emergência; no meio do caos, se pisoteiam.
não há lucidez na madrugada. ou há, muita.
procuro os passos da sobriedade, mas sei que eles só chegam com o sono. e eu não tenho sono.
no mundo sem fim da insônia, lembrei de uma amiga que me disse para tomar uns florais. debocho. é como tentar vencer um gigante perigoso armada de uma margaridinha mal-me-quer-bem-me-quer.
aproveito o tempo livre e puxo pétala por pétala, cada uma me diz uma coisa. sigo empatada.
imagino algumas situações e no tic-tac do relógio elas ganham força, forma, coerência e vivem. se as liberto, me pegam; se as sufoco embaixo do travesseiro, me assombram.
a máscara de oxigênio é a fumaça do cigarro. a saída de emergência tem tarja preta.
não dormir está me deixando doente. mas tem uma coisa que gosto muito quando as noites são longas: há uma satisfação inexplicável por saber que posso perambular pela casa, fazer um bolo, sentar no sofá, descer até o carro… essa falsa liberdade de ir e vir nas altas horas, sempre, sempre, sempre me lembra da tortura que eram minhas insônias da infância. só podia ficar quieta na cama. nada de luz, de levantar, de movimentos. nada de nada. talvez minha insônia seja a bandeira de minha maioridade, meu grito de independência, meu motivo de espada, agora posso fazer o que eu quiser.
menos dormir, claro.