acordo bem cedo todos os dias.
seis horas da manhã no inverno é ainda mais cedo do que quaisquer outras seis horas da manhã.
noite, silêncio.
passo o café com entusiasmo.
fazer café no silêncio da noite da manhã é um prazer que presto atenção e que todos os dias me surpreende e me permite um sorrisinho seguido de um suspiro que sai pelo nariz.
minhas primeiras horas são sempre muito boas.
dentro dessa sucessão de prazeres matinais, sento-me na sala com a xícara na mão para ver o dia acontecer.
nos dias em que não tem nuvem, há um momento em que o céu fica de um tom tão lindo, tão inexplicavelmente belo, que nem sei.
é um horário variável que tem relação com a translação e dia após após dia, segundos, minutos, interferem neste momento.
azul.
um azul escuro, profundo, derivado do que conheço como azul petróleo, mas tem um clarão que o invade e transforma.
não é que este clarão o deixe mais claro e o leve para uma categoria de azul claro ou azul mais claro que o petróleo escuro.
não.
o clarão é uma iluminação de dentro para fora do azul. um tipo de descarga que explode partículas no íntimo da cor e a faz ser outra, inteira, a faz ser a cor do dia antes do dia.
a cor do dia antes do dia.
para pintar, persegui a cor.
experimentei muitos jeitos.
misturei aos meus azuis disponíveis tons, mais água, menos água, um pouco de roxo, um pouco mais, um pouco menos, um verde mais escuro, uma pitada de preto, meia gota de laranja, cinza, pitada de branco, um tantinho a menos. cada combinação anotada com meu empiriquismo científico.
foram muitas versões.
inventar uma cor é relativamente fácil.
copiar o que se vê estampado no céu das manhãs das noites ensolaradas de inverno é bem mais complicado.
não consegui.
mas tenho aqui este azul especial que tem relação com o prazer do café, do silêncio e da solidão.
um azul que fala da infância dessas manhãs de inverno e das noites suicidas que se despedem assim.
azul que é fronteira temporal.
inventei uma cor.