pela fresta aberta no quartinho, janelinha de um palmo de largura, vejo árvores, passarinhos, prédios, céu, telhados. recorte de cidade. vejo também, e com atenção especial, o meu edifício predileto do bairro. já falei dele por aqui. gosto de suas cenas e de como os vizinhos narram suas vidas na varanda.
hoje, enquanto trabalhava e estiquei o rosto para sentir o ventinho da chuva, vi na sacada do penúltimo andar uma moça. não dá para dizer muito de sua estética. sei que é magra, cabelos compridos, morena clara. nada mais. me chamaria atenção apenas sua presença como um vulto sem detalhes porque tenho interesse, me inspiro no movimento do edifício. mas hoje particularmente a cena foi diferente… ela estava sem camisa. não sei da parte de baixo do vestuário, porque a sacada não permite.
Lívia e eu que estamos bem acostumadas a andar muito a vontade em casa, podemos até cair na espionagem de algum vizinho indiscreto, mas nunca chegamos perto de pararmos desnudas na janela para ver a banda passar. nossa peladês se dá bem no interior de casa…
de qualquer maneira, ver aquela moça parada na varanda, olhos no infinito, virados para o lado em que o sol se esconde, me deu contentamento. fiquei feliz com sua liberdade. me animei com sua calmaria, com a naturalidade de seus gestos lentos, que não se importaram em saber se alguém os via porque não aconteciam para serem vistos. foi, de fato, para ela, uma cena corriqueira, normal, singela, sem teor de exibicionismo ou violência aos pudores alheios.
senti inveja. primeiro a burra e idiota inveja de sua magreza bonita e sensual. depois a inveja doída de sua naturalidade etérea, de seu jeito, sua suavidade de anjo no meio da vento da chuva, de sua encantadora liberdade.
um palmo de largura de janela revela paisagens e as vezes revela paisagens que são pura poesia.