me esforço para ler os jornais de domingo. os assuntos não me interessam, embora mudem minha vida. quando vou ao mercado, quando saio de carro, quando caminho pela cidade, quando tenho medo de tirar o nariz de casa, quando pago a mensalidade da escola da Lívia, quando marco consulta pelo plano de saúde com três meses de antecedência. toda minha vida está condicionada aos fatos que os jornais mostram. sei disso. e mesmo assim é tão incrivelmente pouco atraente fazer esta leitura, que me dá náuseas.
acabo me descolando das páginas policiais que viraram as manchetes de política e economia e me enclausuro nos cadernos de cultura. eles não são ótimos e me irritam um pouco quando tratam mais dos grandes nomes que têm a força da grana para estampar notícias inúteis, do que dos que trabalham diariamente para não deixar o samba morrer, não deixar o samba acabar. mesmo assim, os cadernos de cultura são meu refúgio.
fiz um rolezinho matinal por eles. li boa crônica do Castilho, já antiga para as medições periódicas, mas atualíssima nos tempos de hoje – “Espiões”. o editor da Ilustrada montou um especial sobre a Metamorfose. no Correio Braziliense vi que biografias de Michelangelo e D Pedro I estão por aí, e numa mesma matéria porque “ambos eram estrelas de suas épocas”. e assim por diante, fui escalando os jornais com desinteresse, simpatia, desprezo, empenho, diversão, revolta. tudo.
cheguei ao Estadão. me estimulou longos e diversos pensamentos ao ler sobre um editor sírio que está na Feira de Frankfurt a tentar fugir da barbárie.
mas foi só ao encontrar uma frase que finalmente pude ler coisa que me deixou bem contente e totalmente imperturbada. minha empatia imediata pelo português Lobo Antunes: “Os heróis nacionais não são políticos ou economistas – são Shakespeare, Camões, Cervantes.”
desligo o computador e volto aos livros.