um céu de fogo no horizonte. foi o que eu vi quando saí do hospital. no telefone, a voz da minha mãe, as objetividades das perguntas.
meu pai no hospital, entre frágil e teimoso, engraçado e depressivo, submisso e esperançoso.
não sei ser responsável por meu pai. não sei mais contrária-lo e enfrentá-lo. com os anos aprendi a ser um tipo de filha que acata suas vontades e ideias. todas. até as que não possibilitam a mínima chance de eu concordar.
o que meu pai precisa de mim agora é que eu seja adulta. e só.
me engalfinho com mil fantasmas, troco tapas com os traumas, esbofeteio o medo, puxo o ar e devolvo a ele uma voz tremida ‘pai, você tem que tomar o remédio’.
ele obedece.
meu pai me obedece, e há tantas inversões sobre isso dentro de mim que nem sei explicar. ele me obedece, eu lhe agradeço.
neste fim de tarde vermelho, mergulho nessa infância do meu pai, em sua velhice e na inconformidade de não poder fazer muito mais do que lhe falar sobre a importância de tomar o remédio ou contar-lhe alguma história inútil para distraí-lo.
dou ordens e conto histórias para o meu pai.
o olhar infantil, o corpo encolhido, a magreza, a voz fraca… toda essa nova configuração é tão impossível quanto a realidade.