Adriana, uber é um tipo de táxi que tem aqui em Curitiba.
meu pai me falou essa frase com as mil dificuldades que tem.
a articulação não é boa, o ar é escasso, as palavras faltam-lhe, tudo é recheado por grandes pausas.
nessa mesma conversa ele me disse: ‘meio-dia no Brasil ou aí onde você está? porque há uma coisa que se chama fuso horário…’ e me explicou o que é fuso horário.
o regresso da cabeça do meu pai é assustador. este tempo de final de vida o sujeitou a uma enorme atrapalhação.
a sua lucidez está escapando como se fosse a chama oscilante de uma vela. às vezes quase se apaga, às vezes ressurge brilhosa.
fico confusa.
mas essa conversa, que poderia me fazer chorar todas as lágrimas de tristeza, acabou por me revelar uma outra coisa.
a debilidade física, a desordem mental, o tumulto emocional não tiraram do meu pai uma característica com a qual desde sempre convivi. meu pai gosta de explicar coisas. faz parte dele exibir um conhecimento, dividir ensinamentos… sempre gostou.
na infância, eu o olhava com a admiração de quem o reconhecia como o homem mais inteligente do mundo.
em nossas conversas corriqueiras na vida adulta sempre perguntei coisas que sabia que ele sabia e que só confiava nele para respondê-las.
nessa nova fase, eu tenho atitudes egoístas. não pergunto porque quero poupar o seu fôlego, sua energia, quero deixá-lo quietinho. mas isso, entendi, tem mais relação com uma mesquinha autoproteção: custa-me ouvi-lo e sabê-lo com tanta dificuldade… dói-me.
mas para que que meu pai precisa de silêncio agora? ele não precisa.
ele precisa continuar sendo quem é, dentro de sua força vital de contar novidades, de explicar coisas, de dividir comigo o seu conhecimento e participar da minha vida desse seu jeito.
meu pai, irreconhecível no tamanho, no peso, na fala, na desordem, na voz, continua a ser quem é.
e é esta a lição que aprendi em nossa conversa mais recente.