movimento

A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos, Fernando Pessoa

não tenho vontade de sair de casa. novidade nenhuma nessa condição. cada dia mais me enredo nas minhas paredes com a certeza de que ganho mais aqui do que fora. escrevi meu Código de Hamurabi, particular e intransferível, que me protege dos horrores da vida lá fora. reino no lar.
não sei explicar a necessidade de estar em casa, na verdade nem sei se isso precisa de explicação. fico.

corre na linha paralela a essa fixação a grande, imensa e incontrolável vontade de viajar. de sair mesmo, estar fora de casa, da rua, do bairro, da cidade. tão necessário quanto ficar, é ir. por conta disso invento motivos para me colocar na primeira classe de um avião que cruzará o oceano ou na poltrona 16 de um Itapemirim que sacudirá por 600 quilômetros. tanto faz, o lance é ir. vou.

entre um ponto e outro, há o convívio. para não atrofiar as práticas sociais vez ou outra aceito convite. é bem verdade que saio pensando na volta. deixo a máquina cheia de roupa, janelas abertas, comida em cima do fogão, computador ligado, cão com fome. tudo para dar justificativa à pressa do retorno.

gosto dos amigos aqui em casa. é prazer estar com a mesa bordada com os rostos de quem admiro, com as paredes forradas de risadas e conversas, com os sussurros de segredos e confissões.

afortunada que sou, é tempo de tudo isso.

semana passada tive a alegria de ter aqui em casa amigos queridos, que me transbordaram de alegria e aturaram os meus contratempos que não permitiram fazer jantar, almoço ou movimentos domésticos para manter tudo decente, limpinho e confortável.

também saí e encontrei um mar de rostos sorridentes que me encantaram e renovaram na boa graça de seus olhares e palavras.

agora é o tempo de viajar. reúno minhas tralhas e me preparo para nova voltinha por aí, para ver outros amigos, conhecer novas gentes, olhar outras paisagens, me jogar no mundo e encontrar meus novos pensamentos. estou sendo bem tratada pela vida e é bom reconhecer isso.

o Pessoa, Fernando escreveu assim: “Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.” quase concordo. há qualquer coisa impossível de saber se fico, por isso, abro as janelas para poder sentir cada pedaço do porvir e trato de deixar em casa as restrições dos conceitos.

saio com decote no olhar para abastecer a imaginação, continuar vivendo e poder voltar.

quer comentar? não se acanhe.

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