evito com força entrar no Mercadorama. o setor de RH é mesquinho. contrata pouco, exige muito e fiscaliza quase nada. deve ser pão-duro também com os salários, não sei, é só um palpite.
mas há uma coisa interessante quando se tem tempo: a fila do caixa. em qualquer loja ela é grande e demorada. e com o tempo da espera é possível espiar variados tipos humanos.
ontem tive experiência triste. na minha frente uma moça: vinte e poucos anos, um uniforme de empresa e compras rápidas na cestinha. estava um pouco apreensiva e respirava daquele jeito que é pra gente saber que está insatisfeita com alguma coisa – como quase todos na fila. eu não, porque não gosto de demonstrações públicas de minhas emoções.
pois bem, quando chegou na beiradinha do caixa, balbuciou algumas coisas. uns códigos desconexos que não formavam frases inteiras, palavras soltas, mas que comunicavam a sua vontade. logo entendi. ela queria saber se poderia deixar as compras no caixa e sair para chamar o marido. só queria assegurar que a moça do caixa guardasse sua cestinha por alguns minutos. mas não conseguia se expressar de forma corrida. sua comunicação era truncada.
a mocinha do caixa, dona do mau humor que cobre aqueles que são contratados por um RH mesquinho, fazia caras e bocas para dizer, também sem se pronunciar corretamente, que não estava a entender o que a outra queria. entendeu, eu sei, mas deve ter como norma de trabalho se vingar da pouca sorte nos clientes do mercado.
intervim e traduzi em bom português: ela quer saber se pode deixar as compras aqui enquanto vai chamar o marido, se é possível que a cestinha não seja recolhida por um de seus colegas para ela não ter que fazer o caminho dos corredores de novo.
a moça do caixa respondeu, para mim, também com palavras fora do lugar, sem texto contínuo, que dependeria do tempo que ficasse fora.
traduzi.
e assim fiquei levando e trazendo mensagens entre elas como se falassem idiomas distintos até que entraram num acordo.
sei que certos tipos de funcionários e certos tipos de clientes são como se pertencessem a grupos extremos, fundamentalistas (os do mercado odeiam os clientes e vice-versa), mas me causou espanto a dificuldade de comunicação, os obstáculos da expressão oral.
há tantas falhas em nossa educação formal, que a escola mal lembra que conversar, fazer um pedido, marcar uma consulta ou tratar de alguma coisa no mercado também faz parte das atribuições da grade curricular.
fico a imaginar que com a derrocada da educação e a fixação pelas mensagens cifradas dos telefones, daqui a pouco seremos uma civilização sem expressão oral. e se isso realmente acontecer, que o processo inicie pelas duplas sertanejas.