o bom da vida vai prosseguir

A primeira notícia que vi no jornal hoje cedinho dava conta do coma irreversível de Dominguinhos. 

Eu tive a sorte, a grande sorte, de conhecê-lo e de me tornar sua amiga e, mais que isso, de tê-lo como amigo. Muitas vezes o recebi em minha casa; tive a honra de dividir café da manhã, almoço e jantar; pude partilhá-lo com minha família; ouvi seus conselhos, sábios conselhos; palpitei em sua vida…

com minha mãe, em almoço surpresa para ele e para ela.


Domingos é uma pessoa muito importante pra mim! Desde a primeira hora de convívio sempre me acompanhou a sensação de que nunca mais ficaria sozinha em algum tropeço…  Ele já me tirou de frias, encrencas, dificuldades algumas vezes. 
De um jeito manso, doce e absolutamente surpreendente ele me ligava e com a voz sertaneja disparava:
– Adriana! O que está acontecendo? Me conte que dou jeito. 
Eu, do outro da linha, sempre fiquei chocada com essa capacidade. Nos meus desertos, ele me adivinhou muitas vezes e, boa parte delas, me ajudou só com a força de sua palavra, a coragem de pensamentos diferentes de uma cabeça livre e pronta pra tudo. Em outras, tratou de maneira prática minhas pendengas financeiras, minhas dificuldades cotidianas. 

É uma sorte muito grande ter alguém assim na vida! E o meu sentimento de amor e de gratidão por ele é uma das coisas mais bonitas e puras que mora dentro de mim. (Também é uma sorte muito grande poder sentir isso.) 

no tempo em que eu ainda tinha covinha…

Mesmo correndo o risco do post ficar imenso, quero muito contar uma história. 

Em 2011, o João Egashira me procurou com a ideia de que sua Orquestra à Base de Cordas e as rádios fizessem homenagem ao Domingos, que a TV gravasse DVD e que chamássemos algumas pessoas para assistir isso tudo. Pois bem, assim foi. 

A combinação dos músicos da Orquestra, mais as músicas de Domingos, mais seus músicos e mais o próprio empunhando a sanfona a cantar e tratar das belezas da alma, foi incrivelmente emocionante e comovente. 
Lá pelas tantas, depois de “De Volta pro Aconchego” eu tinha que entrar no palco, com flores, placa e discurso para surpreendê-lo. Mas eu estava tão emocionada com tudo que já tinha rolado até ali (outra hora eu conto), que já subi no palco muito emocionada e o que era pra ser uma homenagem da instituição, virou um testemunho pessoal sobre tudo que penso dele. Falei de tudo: amor, gratidão, respeito, bondade, generosidade, cuidado e até de sua música… Chorei. Ele chorou. Sabíamos bem. Quando voltei pro meu lugarzinho, ele começou a tocar uma música linda. Não uma que mostrava sua habilidade de sanfoneiro com dedos espertos e velozes, mas uma que revelava sua grande arte de melodista, de entendedor da alma. Uma valsa tão cheia de beleza, que eu e João ficamos quietos, ouvindo, chorando. Nenhum de nós conhecia, mas tinha uma coisa tão grande na música que dava vontade de ficar o resto da vida ouvindo-a. Quando acabou, ele revelou: “O nome dessa música é Adriana, eu acabei de fazer!”.

Hoje, o que sei, é que quero muito vê-lo, reencontrá-lo. Não acredito que o jornal esteja certo, que os médicos estejam certos… Eu acho que ele vai mesmo tratar de colocar em prática aquela coragem nordestina, aquela sobrevivência sertaneja, aquela teimosia de sanfoneiro e daqui a pouco pinta por aqui, com sorriso sincero, com abraço, proteção e tudo, tudo, tudo que compõe uma das maiores existências que conheço. 

 

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