o que é saudade?

várias vezes tenho pensamentos dedicados à saudade.
pensamentos dedicados à saudade.
pensamentos sobre saudade.
o que é saudade? lembrança boa é saudade? vontade de estar com uma pessoa é saudade? revisitar com doçura o passado é saudade? a saudade implica em querer hoje o que é de outro tempo? saudade se aplica a situações do presente? dá para sentir saudade de ontem à noite?

saudade é aquele apontamento de uma coisa boa que não está ao alcance no momento do agora, mas que queria que estivesse.
se eu soubesse definir, talvez explicasse assim.
não. talvez não.
realmente não sei definir.

racionalizar a palavra saudade significa entender que a sinto sobre pouquíssimas coisas ou pessoas.
pouquíssimas.
raras.

a minha avó Rosa foi uma existência pacífica, silenciosa e bondosa na minha vida. meu avô Estefano foi um turbilhão alegre, brincalhão e barulhento. ambos repousam para sempre nos anos da minha infância.
sinto saudade?

sinto a impecável lembrança dessas duas pessoas maravilhosas que melhoraram minha vida durante os meus dias de neta.
queria ter aqueles dias de volta?
não sei responder, porque a impossibilidade de revisitar aquele endereço no tempo atrapalha minha avaliação. é como se fosse um jogo de opções: para ter aquilo, eu teria que abdicar de tudo o que vivi depois daqueles dias.
ou se pudesse voltar por alguns instantes, faria com que minha experiência fosse melhor, mais alargada, com outras observações. o que me levaria para momentos novos, que não são os originais que me inclinam para a afirmação da saudade.
ou. saudade da infância com meus avós é uma coisa muito ampla, abarca quase uma década. afinal, do que estou falando, um dia, um período? uma abstração tão grande que nem cabe no tempo…
ou, ainda, se revisitasse tudo aquilo que paira na minha memória, talvez descobrisse que inventei sem querer algumas vivências, criando saudade do que nem existiu.

na parede da sala da casa onde moro há uma fotografia do meu vô e da minha vó.
ela usa um vestido que até hoje tenho, olha para alguém, pousa o braço em uma pessoa que está cortada na foto, que acho que é meu tio. seu corpo está numa rotação entre meu avô e essa outra pessoa, dividindo a atenção e entregando um pouco dela para cada um.
ele olha firme para a câmera, segura minha avó pelo braço, alguns dedos da outra mão no bolso da calça. o suéter, a barriga, o cabelo pintado e penteado para trás.
são os dois eternos na parede da sala da casa onde moro. olho-os e não sei se o que sinto é saudade.

quer comentar? não se acanhe.

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