o que tem no fundo do rio

há o desconforto do corpo. suores incessantes, respiração difícil, claridade de mil holofotes. a pele parece que vai se desgrudar e virar uma poça flácida e irrecuperável.
o maçarico no céu não dá tréguas.

caminho cinco quilômetros todos os dias. pelo menos cinco quilômetros. na metade do trecho bebo 750 ml de água. às vezes tomo cerveja, uma novidade. ontem, rum, uma paixão antiga.
não há maneira de me livrar do calor. Curitiba cravou seus dentes em mim de uma forma tão perpétua que qualquer centígrado acima dos 25 me faz quase desmaiar. aqui, enfrento valores que ficam beirando, brincando, fazendo piada perto dos 40.
sufoco.

no meio disso há a estiagem. não sei há quanto tempo não cai uma gota de chuva por aqui. nem nuvem tem. tudo seco. um dia desses fui pegar terra para as plantas e a enxada não foi suficiente, precisei de uma outra ferramenta, pontuda, uma picareta, acho, ou coisa que o valha.
o mato pega fogo. começa com um fio de fumaça atrás do morro e de repente tudo arde em labaredas inacreditáveis.

tem sido assim os meus dias aqui.
eu não queria falar do tempo. mas não sei mais escrever, perdi a capacidade de guiar as palavras. houve um derretimento de alguma parte cinzenta da massa… fotografar também não consigo. desenhar, nunca consegui.

o que eu queria mesmo contar era sobre o rio que respinga quase seco. vejo o fundo e pedras e sempre que passo pela ponte imagino um texto que tem como título ‘o que tem no fundo do rio’.
a poética desta frase me atravessa e me espanta, no entanto, não encontro a sequência, tudo submerge naquelas poucas águas.
para não me desesperar, imagino que encontrei a poesia em estado bruto, sem decodificação, sem palavras, sem textos.

o que tem no fundo do rio? uma poesia muda e dura como este tempo agreste.

quer comentar? não se acanhe.

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