penso sobre solitários.
não sobre a solidão, mas sobre aqueles que estão a tocar suas vidas a partir do íntimo deserto que todos vivem e poucos assumem.
os clichês pintam uma série de quadros para falar dessas pessoas.
solitários conversam com plantas. embalam suas samambaias com carinho e palavras. oferecem elogios, cantam músicas, dão de beber e adubam a companhia silenciosa, verde e condescendente.
solitários falam com animais. desfiam suas histórias e buscam no olhar desprovido de respostas as mais fantásticas réplicas para suas queixas. cachorro, gato, passarinho, cavalo têm poder de confessionário e de alto grau de dar amor – ainda que o amor seja invenção de todos os solitários do mundo. confundem instinto e razão, impulso e amizade, disciplina e compreensão, disposição e amizade. tecem o fio da transferência do convívio.
solitários discutem com a televisão, rádio, computador. dão ‘boa noite’ à apresentadora do telejornal e reclamam o absurdo na notícia. criticam em gritos o comentarista do jogo de futebol e ameaçam o computador quando não conseguem o que querem. se metem num monólogo que não é o deles. todas as queixas escorrem e se despedaçam no chão frio das surdas máquinas. e sorriem quando encontram conforto para seus pensamentos. e choram seus sais toda a angústia erma de suas vidas.
mas o mais solitário dos homens é aquele que fala com pessoas. é o que distribui declarações, promessas, frases, cumprimentos, gestos. o mais solitário de todos consegue dizer ‘bom dia’ e sentir o significado da saudação. ele conta de aflições ou alegrias para alguém que enquanto isso pensa na janela que ficou aberta em casa ou na conta do banco estourada ou no trabalho atrasado.
o solitário, o mais solitário de todos, sabe que falar ou não falar é a mesma coisa, mas ainda assim investe em dividir o deserto, mesmo que seja para continuar só.