Eu sou do tipo que ainda escreve cartas. Gosto de me comunicar assim. Desde sempre.
As vezes esqueço de enviá-las, as vezes transformo-as em email e as vezes as deixo aqui, quietas, caladas: eu remetente e destinatário.
Elas são muitas e escritas quase que diariamente. Antigos amores, amigos distantes, família espalhada. Escrevo para poder continuar dentro de mim mesma sem enlouquecer com a solidão. Escrevo porque tenho coisas a dizer. Escrevo porque é a única forma de continuar.
Minhas cartas são os bonecos de neve que construo da matéria que ainda continua em volta. São o salto na piscina que espalha a água que não acaba. São as notícias de um jornal: amanhã existirão outras, sempre existirão outras e continuarão, mesmo sem novidades.
A saudade é o tema que elas mais visitam. Mas também falam de perdão, de confiança, de amor, de música, do cachorro, da máquina de lavar. Contam de noites de sol, do réveillon, dos dias santos e dos planos do futuro. Levam notícias das férias, do trabalho novo, da receita testada, do vizinho bonito do outro lado da rua.
Em dias de clareza com a vida e os sentimentos, escrevo pra mim mesma com o aviso para serem lidas daqui cinco, dez, até 20 anos, para que lá na frente eu receba as novidades do meu passado. Fico contente quando o carteiro chama com uma carta pra mim, mesmo que seja eu a ocupar todos os lados da linha.
Tenho pilhas e pilhas de cartas aqui. E uma preguiça do tamanho do mundo de tomar as providências cabíveis: correio, lixo, fogueira.
Elas vão ficando, a tomar espaço e a se espalhar em gavetas, armários e bolsas. Objetos identificados e endereçados. Mensagens de amor que não podem esperar, o amor nunca pode esperar!, mas ficam aqui, em silêncio, aguardando a pátina do tempo, amareladas. Quem sabe um dia?
Neurose que me cura, me adoece, me mantém viva e em contato, nem que seja comigo mesma. Porque nem tudo está perdido, assim, eu entrego meu coração.
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