pode ser que essa vontade de comer pastel na feira passe,
como talvez passe também
o desejo de caminhar na praia,
de entrar no mar,
de contar estrelas
e de aprender a costurar.
vai que eu mude de ideia
e não precise mais pisar na Estação de Sirkeci
ou não queira as alvoradas dos canarinhos
muito amarelos da minha varanda.
quem sabe, eu desista assim, muito devagar,
daqueles versos que me consomem há tantos anos…
pode acontecer de finalmente eu desfazer as malas
e arrumar,
cabide por cabide,
todas as minhas coisas em portas definitivas.
ou cortar o baralho,
puxar três cartas
e traçar os planos nas figuras do tarô.
pode ser que eu mude de opinião
e converse longas horas com o passado
até que ele se refaça em forma de agora.
é possível que eu não tire o vestido,
a armadura, a amargura
que eu nunca mais fique nua
e cubra o rosto
e use véu
e renegue o que é inferno, o que é céu
e o que é meu.
não sei, mas pode acontecer de eu pensar diferente,
que ao contrário acaba igual,
e nesse íntimo, único e indivisível instante
deixe de ser estrangeira, imigrante
e repouse mansa e tranquila
em palavra única, nos braços da rima:
figurante.