na semana que passou tivemos um problema grave por aqui. o irmão da Jéssica desapareceu. ele é um guri que tem contratempos nesse mundo tão diverso e mesmo assim tão mesquinho entregue à hipocrisia de que todos somos iguais, irmãos.
o Mikael tem algumas dificuldades físicas e mentais. mesmo assim, dá a volta em sua síndrome e procura viver da melhor maneira possível. como eu e como você, supera os problemas e segue em frente.
saiu para andar de bicicleta e não voltou.
uma mãe envelhece dez anos em um dia numa situação dessas. e isso me perturba muito! ninguém deve passar por sofrimento assim, menos ainda uma mãe.
a Jéssica, irmã mais velha do Mikael, que também faz papel de mãe, ficou péssima; firme, atuante, mas péssima. e sendo ela também minha filha, eu não pude controlar os sentimentos e preocupações e acabei entrando numa espiral emocional muito forte.
pais, irmãos, parentes, amigos, poder público todo mundo com empenho e desespero a procurar por ele.
espalhamos fotos por todos os cantos que conseguimos. falamos com pessoas, as que não conhecemos, as que conhecemos bem, as que passavam na rua, as que estavam online, escalamos do primeiro ao último degrau na segurança pública do estado. tudo que foi possível. e por fim, ainda bem, ele foi encontrado.
depois de terminado, o episódio, que caminhou pelas trilhas tortas do desespero até chegar ao lugar de onde nunca deveria ter saído, me fez vivenciar alguns pensamentos. o mais marcante foi o de nunca ter olhado com atenção para os avisos de gente desesperada atrás de seus entes. a situação me comovia, mas de longe, num plano guardado no baú das distâncias entre mim e aquelas pessoas que não conhecia.
houve uma tristeza em reconhecer que minha solidariedade era feita de papel, não de verdade, como todos os avisos pediam… não que eu devesse largar tudo e sair por aí a procurar rostos desconhecidos que se embaralham na memória, mas, pelo menos, pelo menos isso!, eu poderia ter olhado os apelos com atenção, a mesma que quis que as pessoas que viram a foto do Mikael tivessem.
é difícil reconhecer esse tipo de fraqueza quando o que mais se quer é um mundo melhor, com pessoas mais recíprocas, mais atentas aos outros. fiquei com vergonha de mim mesma.