um amigo me convidou para uma vídeo-chamada. propôs dia e horário para tomarmos um vinho juntos (no começo desse tempo, quando achei que fosse morrer por sufocamento de angústia, também sugeri isso a uma turminha que preenche muito bem minha mesa e minha vida).
falo com minha mãe todos dias, com meu pai de dois em dois, com os filhos de meia em meia hora. atendo o telefone toda vez que toca. até mensagens de WhatsApp estou a responder com certa velocidade; participo ativamente do grupo da família, do condomínio, dos três de literatura e outros que antes se empilhavam sem leitura e resposta.
leio pouco, fui tomada por uma falta de concentração nunca antes experimentada. quase não escrevo. tartarugo, passos lentíssimos, livro novo.
faço fotos ridículas como esta. e vídeos que nunca mostro para ninguém. fico de pijama o dia todo e tenho muita preguiça de tomar banho.
não faço faxina, só espano a poeira. cozinho todos os dias. todos os dias. e isso é ao mesmo tempo um recorde e uma frustração.
me causa vergonha comer todos os dias.
ontem precisei sair de casa. a rua me deixou aterrorizada. fiquei com medo que alguém quisesse falar comigo, que eu precisasse falar com alguém. pânico de passar mal e cair morta. ou ser atropelada. ou que um pedaço de marquise se soltasse e partisse minha cabeça.
ao mesmo tempo tive vontade de conversar e falar coisas e berrar e atirar pedra nas vitrines dos bancos.
não consigo imaginar quanto tempo isso vai durar e como ficaremos depois. talvez a gente consiga, sim, um mundo mais solidário. um mundo mais solidário numa distância regulamentar, sem beijos, sem abraços, sem apertos de mão.
que tristeza!