saudade

“Saudade é a nossa alma dizendo pra onde ela quer voltar”, por muito tempo concordei com Rubem Alves nessa sentença. Mas hoje, a pensar sobre pessoas, lugares, situações, objetos e toda uma fatia agradável do meu passado, discordei do mestre.

Quem sente saudade nem sempre quer voltar. A saudade nem sempre é descontentamento com o presente. E eu, que sou a rainha das listas, relacionei minhas saudades que não me torturam, só contam de um jeito gostoso a vida que vivi até hoje, e que ficou pra trás lá naquele tempo sem evocação:

Eu sinto saudade: 
– da Tia Lourdinha, minha professora da terceira série e seus chiliques de uma vida de dedicação ao magistério;
– de ir pra escola me sacudindo no ônibus tipo chaleirinha;
– dos Corcel II do meu pai trocados a cada dois anos;
– do inverno com geada pesada e as brincadeiras de cortar gelo;
– da coleção de papel de carta;
– dos cinemas do centro da cidade;
– das viagens para São Paulo – a família toda empoleirada no carro;
– da obrigação de comprar leite todos os dias na venda da esquina;
– das intermináveis voltas de bicicleta pelo bairro;
– da torração da mesada em LPs recém-lançados;
– de assistir, quieta e fascinada, meu irmão a montar seus aviões Revell;
– das saídas às escondidas para assistir shows de rock;
– da emoção do primeiro salário do primeiro emprego;
– das tardes de códigos e farras com minha irmã – BNU;
– de ver o Dé com o primeiro uniforme escolar;
– de fazer chuquinhas nos cabelinhos alvoroçados da Lívia;
– de estar grávida, com barrigão imenso e disposição proporcional para a vida; 
– de viajar sem mala, destino ou hora de chegada.

É claro que essa lista não acaba. Ela é a própria vida, os bons momentos que a compõem, o retrato do cotidiano comum que não marca época nem desassossega o peito quando passeia pela memória. 

É bom olhar pra trás e saber que se foi feliz. Feliz sem saber, como cantou Gonzagão em letra de Humberto Teixeira…

 Se a gente lembra só por lembrar…

quer comentar? não se acanhe.

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