uma vida inteira falando sozinha e nunca me importei.
bem dentro, sempre soube que conversa é coisa para passarinhos que se cantam ou para outros bichos que precisam mesmo comunicar o perigo ou o amor. a gente que tem olhar, gesto, lágrimas e risos, para que precisa de palavras também? para que encher o mundo com sons que nem são exatamente os que queremos, os que exprimem os verdadeiros significados?
falar, não falar, falar sozinha: tudo a mesma coisa.
decidi que não vou mais falar. a não ser aquelas coisas que são absolutamente necessárias como por exemplo, seis pães, por favor ou alô? ou, ainda, GJLSTHK na primeira linha, AMPRSXY na segunda, com essa lente vejo melhor. fora isso seguirei muda.
já observei que de tanto falar sozinha não me importo mais com o quão clara sou nas minhas ladainhas, sacerdote ou fiel, não importa. e isso pode ser perigoso caso encontre o milagre da escuta.
é verdade que quando a palavra brota da boca pra fora já está deslocada da raiz, não é mais o que o pensamento supunha e uma viagem insana começa para tentar refazer a conexão primitiva.
escrever é um pouco diferente, poderia justificar; mas é a mesma coisa. entretanto não estou preparada para esta renúncia. os arquivos que se multiplicam no computador, depois do abandono dos caderninhos, ainda não entenderam suas inutilidades. são uma extensão com alguns equívocos do que penso.
desenhar? desenhar é o que de mais espalhafatoso me acontece em matéria de comunicação. como sou uma rebelde sigo nessa onda como quem bate num teclado num idioma que não conhece ou abre um livro em acádia ou resolve contar coisas da própria vida para si mesma.
é isso que faço, sem método, sem regra, sem técnica.
em silêncio.