tá na cara
dia desses eu fiz uma pequena cirurgia e fiquei um tempinho com as bochechas meio inchadas.
algumas semanas mais tarde, tive uma crise alérgica e meu olho ficou todo gordo e inflado.
no meio disso tudo tenho tido umas crises de choro que pintam meu nariz de vermelho.
e, para piorar, minha condição emocional se estampa em meu rosto, não dando chance aos disfarces habituais.
falo pouco. sorrio menos ainda.
tá na cara que não estou bem.
para quem isso importa? para mim. é isso que vejo no espelho, que acompanho e que observo como se, às vezes, fosse uma que não sou, externa, fora, outra.
quem convive comigo consegue entender. quem se importa procura ajudar.
quem tem essa obrigação? ninguém. só eu mesma. e é por isso que continuo semanalmente entupindo os ouvidos da analista com meus problemas ridículos e até agora insuperáveis.
uma colega de trabalho me olhou e disse, venha comigo, eu te ajudo.
uma outra amiga me estendeu a mão e pediu minha intervenção para ajudar outras pessoas. ajudar aos outros sempre é uma ajuda para nós mesmos, justificou como se soubesse que preciso de ajuda.
meus filhos estão o tempo todo com os olhos muito abertos, querendo saber dos meus movimentos e das consequências.
tento, tento bastante, tento muito não incomodar ninguém. sempre procurei não falar dos meus problemas mais sérios.
mas aprendi na terapia que isso é feio, é falso, é mesquinho, é incorreto.
aprendi na terapia que essa racionalidade toda é tão ruim quanto fritar um ovo no asfalto só porque está muito calor – não serve para nada, a não ser provar o que não precisa de prova.
mas se está na cara, porque preciso falar, contar, detalhar, me expor?
por causa do gesto justo, entendi na terapia.
o gesto justo.
se está na cara, o gesto tem que ser justo.
será esta a minha nova preocupação: a forma mais afastada da racionalidade, mais próxima da espontaneidade. só dizer e deixar fluir, como se eu não fosse fruto de décadas de repressão.
gesto justo, aí vou eu.