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obra no prédio. acontece lá nas profundezas da garagem. a impressão é que se trata de coisa aqui no apartamento. mais, aqui no quartinho. uma britadeira que não perde fôlego nem por cinco minutos batuca o chão desde as primeiras horas. pelo andar da geringonça suspeito que já alcançamos água, petróleo, viajamos por todas as camadas e agora estamos lá no núcleo interno da Terra, …
tenho inimigos. não muitos. os mais nocivos moram aqui em casa e por algum motivo que não sei explicar, os cultivo. o primeiro deles chama-se internet banda larga, com tentativa de performance wi-fi. há anos me acompanha. chegou com a promessa de me facilitar a vida. seduzida, deixei que entrasse. feito noiva apaixonada, confiei no que me foi dito. depois do casamento, assumi papel de …
cutuquei a Musa. pedi que ela voltasse a me fazer companhia nesses dias áridos. ela me vira as costas, me castiga. silêncio de mil textos. mostro a língua pra Musa, dou de ombros. tenho companhia no blog e recebi sugestões. várias. assuntos que começam em mim e terminam no mundo. ou vice-versa, não sei bem. trato por ordem de chegada. e me desculpo por antecedência …
quando percebi que parte de um biquíni se abraçava indecentemente a um pé solitário de meia e uma saia de verão se insinuava ao paletó, soou o alarme de emergência: hora de arrumar o armário. caí em desespero. chorei lágrimas de linho, solucei algodão e me revirei em malhas: doze portas, oito gavetas, dois calceiros, quatro cabideiros e uma população confusa, que importou e exportou, …
a zanzar pela internet na companhia dos sonhos de sempre, encontrei um terreninho pra vender em Antonina. coisa modesta, num lugar que nem é o meu escolhido nas noites de liberdades, mas mesmo assim fiquei interessada. o valor, que parece caber numa loucura de financiamento em tempos difíceis, me seduz. tenho cá minhas urgências de Antonina. em suposições sem fim, comecei a pesquisar sobre construções …
carrego-a comigo em todos os lugares em que passo. quando saio, meu sotaque se acentua; minhas tintas ficam mais fortes; tenho orgulho e contradições a respeito das araucárias – somos isso, mas não só isso; falo de clima e parques, histórias e teatros, músicos e escritores, avenidas e bosques. viro guardiã, protetora, assumo todos os valores e até umas coisas meio positivistas despencam em mim, …
ano passado, por essa época, encasquetei que era hora de uma cadeira decente aqui pro quartinho. é preciso tratar com respeito as horas de computador. na época, elegi a boa e velha Cimo, tive meus motivos e eles cobriram várias bases, desde o conforto até a estética. meu pai tinha uma Cimo, formava conjunto com escrivaninha e armário da mesma família. escritório completo e elegante …
semana passada comprei um vasinho de lírios. não quis saber raça, preferência política, religião ou cor. comprei gordos e auspiciosos botões, promessas de beleza. pois hoje quando escorreguei os olhos na sala, as flores me disseram bom dia, se apresentaram e marcaram o ambiente com aquele perfume tão suave e envolvente, que a gente sempre reconhece. não sei se é por conta da minha inabilidade …
tem um prédio aqui perto de casa. é alto, mas está numa distância regulamentar, não me atrapalha a vista, nem o sol e nem o vento. elegante, simples, com janelões e sacadas que sugerem inveja. dia desses um apartamento foi posto à venda. nem me animei a sonhar, porque sei o meu tamanho. mas acompanhei quando a placa foi retirada e alguns dias depois quando …
amor à primeira vista é coisa arrebatadora. gosto quando isso me acontece e, ainda bem, acontece com grande frequência. o primeiro sinal percebo nos olhos, espelho de contentamento. a corrente se espalha, explode, estilhaços pelo corpo: sorriso, abraço, conversa. o amor à primeira vista é um curto-circuito. o grande lance, pra mim, é deixar que a emoção se repita e cada novo encontro seja assim, …