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não foi uma decisão engajada, politicamente pensada ou esteticamente avaliada. nos últimos tempos, tenho acordado com a ideia de que meus cabelos brancos tomarão toda juba. pronto. chega de hena, chega de disfarces, chega de tapar o sol com a peneira – ou os grisalhos com o castanho dourado. resolvi, e isso não quer dizer nada, que cada fio branco terá o respeito que merece …
é engraçado, faz um bom tempo que eu não tenho ideia de que dia do mês estou. não sei, simplesmente não sei. os dias vão passando e se perdendo na contagem. por mais que eu soubesse, por exemplo, que, sei lá, ontem foi dia sete, por ser data importante, hoje não reconheço o dia oito… não faço a mínima ideia de que dia é… recorro …
a Lívia incentivou e começamos a caminhar no parque. um antigo não-hábito que a Vera tentou, gentilmente, despertar em mim. tenho preguiça, mas pulo da cama às sete, enfio os fones de ouvido e me largo no Barigüi. é uma rotina, já faço isso há dois dias. praticamente um recorde. sempre tive boa resistência física. nas viagens, nos passeios, nas voltas pela cidade, nunca conheci …
fui fazer ressonância magnética. nem sei direito o que é uma ressonância magnética, mas o doutor achou que era recomendável e eu, como de costume, obedeci. estou numa escalada progressiva de exames. comecei com um raio-x, evoluí para ecografia, passei à tomografia e agora cheguei à ressonância magnética. nome bonito este. coisa sonora. e, ainda por cima, com contraste. tudo parece tão harmonioso que tivesse …
sempre tive problemas com o futuro. acho que tem relação com o número de compromissos que tenho, que sempre tive, no presente. comprometer o porvir é uma espécie de tortura para minha frágil existência. até coisas banais me deixam nervosa: agendar o cinema de sábado, o almoço na semana que vem, a festa de aniversário. na empolgação do momento, combino tudo e três minutos depois …
teve um tempo na vida que eu tinha muita disposição pela manhã. era meu melhor horário. tudo funcionava rapidinho. mesmo que as horas de sono tivessem sido magras ou que os sonhos acontecessem inoportunos, nenhum minuto a mais me era necessário. primeira providência sempre foi bater a mão sonâmbula no rádio. abria os olhos e a vida estava valendo. achava que tinha relação com meu …
um pouco de idade e um pouco de composição genética me fizeram recorrer a óculos. fui ao doutor. ‘assim é melhor?’ ‘ou assim?’ ‘e agora, melhorou?’ ‘se eu mudar, melhora ou piora?’ ‘consegue ler a última linha?’ ‘e assim, consegue?’ depois da primeira troca de lentes, me perco totalmente. tudo fica pior e tudo fica melhor. minha resposta só depende mesmo do tom da voz …
não me movimento mais durante discussões. não porque me falte argumentos ou por preguiça de conta-los. acontece uma coisa comigo durante debates que procuro evitar. um monstro feio, louco de pedra, mora em mim. eu o nino com algumas delicadezas, ele adormece e fica lá, quietinho, quase morto, como se não existisse. mas quando provocado, quando tirado de suas profundezas, ele explode indomável, furioso, inconformado. …
tinha planos para o feriado. uma dorzinha de cabeça começou me beliscar devagarinho. inoportuna, inconveniente, chata. não dei atenção. segui a vida a tratar de compromissos e recreios para ver se a vencia pelo cansaço. nada. a danada ganhou forças. tratou de crescer como se fosse bicho. virou enxaqueca e desmontou meus planos. de uns tempos pra cá, a enxaqueca me persegue. não gosta da …
uma vez, mais de 20 anos, fui a Piên. não conheci a cidade porque saí da minha casa e desembarquei direto numa madeireira, um lance que tinha relação com eucaliptos. daquele episódio lembro pouca coisa: vento absurdo que curvava árvores, chacoalhava janelas, e assobiava pequenos redemoinhos no chão; meu interlocutor era um homem com personalidade diferente, jogava a cadeira de diretor para trás em movimentos …