futuro Arquivo
passei boa parte da tarde/noite de sábado a arrumar tranqueiras em casa. um cômodo. um milhão de coisas. o quarto que foi do Dé estava se transformando numa imensa sala de jogos. Lívia e eu abríamos a porta e jogávamos tudo quanto é tipo de tranqueira ali. não havia mais condições de trânsito. nem de parada. me enchi de coragem, puxei fôlego, arregacei as mangas …
estava aqui a fazer contas. não sou nada competente com grana. quando não estou na pindaíba de vender o almoço para comprar o jantar, faço as refeições em restaurantes caros sem me preocupar com o amanhã. jogo no time do tudo ou nada. nada. de susto em susto, comecei a ficar aflita em ser do jeito que eu sou. resolvi fazer umas mudanças. cortar zeros …
minha mãe veio para o almoço. rindo entre babaganuch e hommus, lembrando momentos na companhia de falafel e arroz com lentilha, contando novidades enquanto alguém pedia, me passa o tabule, chegamos ao momento de hoje de cada um dos presentes na mesa – e de uns outros que não compareceram sem temer citações. misto de Polônia e Ucrânia, minha mãe traz no sangue uma preocupação …
eu olho para o cão, quase uma década e meia de vida, e tudo, todos os significados estão ali. seu pelo branco, sua visão gasta, seu sono sem fim, seus olhos tristes, sua pouca empolgação para as coisas do mundo, seu entendimento sobre o que é importante. meu cachorro é o resumo do que somos nós, agora ou depois… mais difícil que perceber companheirinho de …
“a vida não passa de uma longa perda de tudo que amamos”, Victor Hugo. todos os dias me despeço. de tudo. o anoitecer é o adeus ao dia, é o aumento da distância da infância, do primeiro amor, dos filhos pequenos. o anoitecer é dizer mais uma vez, reafirmar de aceno, que aquele sorriso foi embora, que o brilho do olhar virou, que há um …
olho em volta e nem acredito no tanto de coisas inexplicáveis que acontecem. o tempo todo. todos os dias. sem trégua. tenho vontade de me afundar num choro infinito ou num pote de brigadeiro. obviamente nenhuma das medidas serviria pra alguma coisa, a não ser atrapalhar ainda mais minha vidinha, claro. não me resta muita coisa que seja diferente de um otimismo sem fundamento, um …
a cada dia que passa meus cabelos ficam mais pálidos. também perdem vigor e volume e quase não faz sentido estarem a cobrir as costas. estola de bicho quase morto. tão difícil envelhecer. tão bom envelhecer. crise. ontem ouvi da mocinha da clínica de estética sobre todos os meus defeitos físicos. aqueles que ela quer combater com lasers, botox, ácidos e uma infinidade de invenções …
não sou pessoa do tipo previdente, que guarda para o futuro e prepara a vida para o tempo da velhice. essa inclinação para viver o dia de hoje é mais forte que qualquer juízo. um dia desses, embarquei no pensamento inédito de projetar, pensar no que vem daqui alguns anos. abri um caderninho e fiz anotações secretas para o que quero e o que …
Tenho problemas de visão. Não enxergo muito bem de perto. Como é mesmo o nome disso? O defeito me faz sempre dar dois passos pra trás. Na distância consigo perceber melhor. A vida me parece uma imensa tela impressionista. Se estou envolvida, as pinceladas não têm contorno, viram manchas da realidade, imagens que não me dizem. Preciso sair da cena para poder habitá-la com pureza. …
Comecei a achar que essa tristeza que não passa é meu estado natural. Talvez a minha linha-mestra seja essa, uma eterna lágrima que se precipita mas não cai. As variantes em torno disso, momentos de alegria suprema e de sofrimento desesperante, são os temperos que me tiram da pasmaceira do cinza. Os dias vão passando e eu as vezes me revolto. Para vingar solto gargalhadas, …